Um guia rápido para não afundar em auto cobrança, comparações com outras pessoas e em buscas desenfreadas por números de leitores e de vendas.
- Não existe livro “perfeito”;
Costumo dizer que a busca pela perfeição é uma busca que culmina no fracasso. Por quê? Porque é o tipo de busca que paralisa a pessoa. Você começa a escrever, desespera-se porque não está “perfeito”. Apaga, escreve, “não está perfeito”. Apaga de novo, escreve, verifica… Ufa! Calma. Fuja disso. Não existe nada perfeito no mundo e tudo bem. Que bom que é assim. Relaxa. Deixa fluir e escreva. Claro, de olho na ortografia e na estrutura textual, mas, sem a palavra “perfeição” como chicote que rege os teus atos.
2. Não é porque muitos gostam que é bom e não é porque muitos odeiam que o livro seja ruim;
Quantas vezes você já não viu, principalmente nas redes sociais, pessoas tão apaixonadas por algo que não admitem que outros discordem? Isso vale para tudo: políticos, time de futebol, estúdios de cinema, super-heróis, animes, bandas… E livros não fogem disso. Faça um favor a tua sanidade mental: deixa pra lá. Vale a pena entrar em brigas por que tu gostas de algo e outras pessoas não? Sério, a melhor coisa que aprendi nos últimos anos foi ficar calado. Por vezes, leio algo que alguém falou sobre algum livro que gosto e meus dedos chegam a tremer, sabe? Fico doido para fazer aquele textão e rebater e… E, hoje em dia, eu paro. Respiro fundo e deixo passar. Não vale a pena. E durmo muito bem, melhor do que antes. Vida que segue. Deixe seguir.
3. Existe público para tudo;
Há pessoas que às vezes querem escrever sobre algo, mas caem na falsa premissa de que “não haverá público”. Mentira. Isso é uma percepção muito empobrecida do que é a sociedade. Por mais óbvio que seja, muitas pessoas ficam tão desesperadas por ter leitores de qualquer jeito que esquecem de que há público para tudo. Sim, talvez a tua ideia não vá atrair 100 mil leitores. Porém, você prefere tentar escrever e alcançar 500 pessoas ou sucumbir à essa falsa premissa, travar e não ter público algum?
4. Se você escrever só o que os leitores querem ler, viverá em uma prisão;
Plataformas de escrita como o Wattpad e o Kindle estão cheias de exemplos. De repente, a pessoa embarca em uma “tendência de narrativa” só porque aquele tipo de história tem feito sucesso. Ou então, sucumbe ao que os leitores pedem, com medo de perder público caso não faça o que é pedido/sugerido/imposto. E aqui ficam as pergunta: quem manda na tua criatividade? Quem manda na tua história? Beleza, tu vais seguir tudo o que teus leitores pedem. Ótimo. Tens consciência de que esse é um ciclo sem fim? E a tua própria vontade, o teu percurso pessoal na escrita? Vale a pena sacrificar tuas próprias vontades em prol de agradar um punhado de pessoas?
5. Empodere-se, seja a tua/o teu primeira(o) fã e a vida literária seja bem mais tranquila;
Aqui, vamos falar sobre a dependência que algumas pessoas têm de aplausos e de validação alheia. Quantas eu já não vi que escrevem muito bem, mas, por não terem “aplausos” ou “curtidas” ou prêmios, acham que são péssimas escritoras. Pode parecer papo de autoajuda, mas não há como falar de outro jeito: ame o que tu faz. Se tu não fizer isso, for a pessoa que mais gosta do teu próprio trabalho, tu viverás em uma eterna dependência de validação dos outros, sem nunca encontrar tua própria voz; sem nunca ter maturidade para dizer “quer saber, eu sou boa no que eu faço, sim!”. Depender de likes, curtidas, joinhas, aplausos, só nos acorrenta. Liberte-se.
6. Independente de ter livros físicos ou livros digitais, todos são escritores. Ponto;
Ah, as pessoas que pensam que por terem livros físicos são melhores do que as outras… Eu acho triste. Pra quê erguer muros literários? Não faz sentido. Um livro físico não é garantia de sucesso e muito menos de qualidade textual — ainda mais com as famosas “gráficas disfarçadas de editoras” que apenas fingem revisar o livro. Não acredite nessa dicotomia “livro físico vs. livro digital”, por favor. Em um país que não lê e que não estimula a leitura, só o fato de a pessoa escrever já é uma vitória. Não alimente esses preciosismos por causa de um punhado de livros físicos.
7. Há um mundo para além das editoras convencionais;
Há trinta anos, até fazia sentido o endeusamento às editoras convencionais, afinal, era a única forma de publicar um livro. Hoje em dia, com a quantidade de editoras independentes, pequenas, voltadas para nichos específicos do mercado, muita coisa mudou. Quer uma dica? Observe os projetos de antologias. Perceba como é possível se lançar no mercado sem depender das editoras tradicionais.
8. Gramática é para ser seguida. Não há discussão;
No Wattpad, principalmente, há centenas (literalmente!) de casos de pessoas que se baseiam na frase “eu posso escrever como quero, é liberdade de expressão”. Sim, eu já li e ouvi isso. E digo: é uma falsa verdade. Uma coisa é você ter o direito de escrever o que quiser. Isso é liberdade de expressão — e, perceba, mesmo essa liberdade tem seus limites. Outra coisa, muito diferente, é você usar a liberdade de expressão para justificar um texto mal escrito. Gramática é para ser seguida. Ponto final. E eu não digo isso baseado apenas no lado literário, para que teus textos tenham essa qualidade. O uso correto das regras gramaticais serve para a vida como um todo. Imagine que você escreve “de qualquer jeito” no Wattpad, sem seguir regra alguma, e vai fazer uma entrevista de emprego. Agora, imagine que os avaliadores, o setor de Recursos Humanos da empresa, por exemplo, vá pesquisar o que tu faz e vê teu texto mal escrito, incoerente e sem nenhum intuito de melhorar? É ponto perdido. E eu já vi acontecer. A internet é uma arena pública e as pessoas vão te encontrar. Não duvide disso. Quem acha que consegue se manter 100% anônimo, está mentindo para si mesmo. Portanto, cuide para que a forma como tu te apresenta, teus textos, comentários, artigos, seja a mais correta possível.
9. Escrever é só 20% do trabalho. Roteiro, planejamento, reescrita e revisão compõem o verdadeiro esforço;
Há uma visão romântica da escrita criativa que pende para a imagem do escritor, da escritora, que está na escrivaninha, papel à postos. Então, surge a inspiração, uma luz poética que invade aquela pessoa, e ela se põe a escrever e escrever e escrever e, UAU!, eis um livro pronto! Publique-se! Isso é mentira. Não que isso não aconteça. Pode acontecer. Raramente, mas pode. Contudo, mesmo que aconteça, os passos seguintes (reescrita, revisão, edição) são fundamentais para que aquela estrutura textual se sustente. Não espere por inspiração. Quem espera por inspiração vive na dependência da sorte. Estude escrita criativa, estude roteiro, estude como se planejar. Com isso, quando tu tiveres uma ideia, tu terás como desenvolver a base de sustentação dessa trama e, aí sim, escrever e seguir os demais passos. O que mais tem no Wattpad, por exemplo, são livros abandonados. E a maior parte deles tem a ver com essa ansiedade de ter a ideia e escrever de imediato. Aí, a pessoa escreve um, dois, três capítulos no fôlego. No quarto capítulo, ela já não sabe muito bem o que fazer e já atrasa alguns dias. No quinto, o estresse aumenta bastante e o atraso chega a dois meses. Começa a justificativa de “eu não vivo para escrever / eu tenho uma vida / não me cobrem”. No sexto capítulo, com a “inspiração” já em cinzas, vem a mensagem que mais tem no Wattpad: “desculpe, terei de fazer uma pausa porque blá blá blá blá…”. Eu garanto: isso não aconteceria se essas pessoas largassem de romantizar a escrita e fizessem um planejamento sério. E o fato de a escrita ser apenas hobby não justifica deixar esses passos para trás. Lembre-se do que eu disse no item 9: é o teu nome que está em jogo. Preserve o teu nome. Faça o teu melhor independente de onde você estiver.
10. A crítica não te afeta se você tem convicção de quem é, humildade para reconhecer os erros e consciência das próprias qualidades narrativas;
Eu já vi pessoas que só faltam morrer na primeira crítica que recebem, como se o mundo fosse acabar. Não acaba. Por mais grosseiro que parece, sinceramente, leia a crítica, engula e siga em frente. Este item vai em comunhão de muito do que eu já disse acima, especialmente o fato de sermos nossos primeiros fãs, a necessidade de fugirmos da perfeição e de não mergulharmos em tudo o que o público pede. Críticas doem? Sim, críticas doem. Agora, se a crítica vai matar tua vontade de escrever, aí é escolha tua.
11. Num país que não estimula a educação e a leitura, escrever é um ato político. Orgulhe-se;
Lembra do que eu falei sobre as pessoas que se acham por terem seus livros publicados de forma física? Esse é o tipo de orgulho bobo, que parece carência, vontade de tocar em algo para provar para os outros o que faz. Ao meu ver, o motivo de orgulho deve partir do mais básico: o mero ato de conseguir escrever. O Brasil é um país cansativo. Eu ligo o jornal e parece que minha energia é drenada. Estressa, desestimula, fere. Contudo, quando penso que eu tenho a oportunidade de escrever; quando penso no privilégio que é eu ter leitores, mesmo que poucos, isso me estimula. Orgulhe-se da tua escrita. Só o fato de você escrever já é um passo além do esperado pelo meio social; é um passo além da velha fórmula que parece querer que as pessoas não pensem. Tenha consciência de que a escrita por si só, diante da realidade brasileira, é um ato político.
12. Você não é melhor do que quem não escreve.
Não tome a escrita como um patamar na pirâmide social. Isso beira o ridículo; beira a carência. Eu conheço pessoas, na internet e fora dela, que pensam que o fato de escreverem é algo que as eleva na escala intelectual. Não eleva. A escrita é uma qualidade a mais, apenas. Eu odeio esses muros de intelectualidade, sabe? Essa coisa de “sou universitário”, “sou isso”, “sou aquilo”, estou um nível acima dos meros mortais. Não, não está. Isso cansa. O mundo é diverso, a sociedade é diversa, as formas de aprendizado são diversas. Usar a capacidade de escrita como mote de diferenciação é algo tão pobre… Todo mundo tem algo a ensinar, todo mundo tem algo a aprender. O fato de você escrever um livro não te faz melhor do que quem não teve essa oportunidade. No fechar das cortinas, estamos todos no mesmo barco. Sim, uns no camarote, outros no porão desse barco, mas todo na mesma viagem. Por favor, pare de colocar ainda mais tijolos nos muros sociais, especialmente usando a escrita como cimento.