EU ACHO INTERESSANTE QUE UM PAÍS QUE SE DIZ TÃO RELIGIOSO TENHA DEMONSTRADO EM 2020 TANTA FALTA DE AMOR AO PRÓXIMO, O PRINCÍPIO BÁSICO DA TEOLOGIA CRISTÃ QUE REGE BOA PARTE DOS LARES BRASILEIROS. Como se não percebessem o que se passa ao redor (ou será que ignoram deliberadamente?), os brasileiros tiraram a máscara de empatia que até então mostravam ao mundo e transformaram os meses de pandemia na mais evidente desumanização.
Nesta sexta-feira, 11 de dezembro de 2020, o país passa da assustadora marca de 180 mil vidas perdidas devido a Covid-19 e não há comoção. Pelo contrário, as festas aumentam seus sons, as pessoas se aglomeram sem necessidade, as máscaras ganham o fundo das bolsas, o governo federal parece viver em outro mundo, políticos hipócritas se dizem chocados, mas o choque não ocorreu dias atrás, quando estavam nas eleições instigando multidões. O Brasil hoje samba em cima de centenas de caixões.
É triste. É angustiante. É preocupante.
É triste ver a imagem do país destruída. E temos aqui de fazer um parêntese: a culpa dessa destruição, aumentada neste governo, tem início há décadas. Governo após governo, ganância após ganância, nenhum de nossos governantes ousou transformar o país através da educação. Nosso povo não lê porque um povo que não lê vive no cabresto, imerso em ideologias, crente em pecados; vive acorrentado à promessas eleitorais, faminto por migalhas dadas por seus “heróis”. Um povo educado cobra, exige, tem consciência de que o dinheiro público não pode ser desperdiçado. Um povo leitor incomoda, um povo leitor crê na ciência. Vivemos hoje os frutos do que foi plantado há séculos. É triste.
É angustiante ao vermos que a desumanização de 2020 nada mais é do que a revelação de sentimentos até então internalizados em boa parcela da população. Sim, diferente do que muitos pensam, Bolsonaro não está errado quando diz que o Brasil é um país conservador. A questão é que até então esse conservadorismo estava escondido. Com o passar dos anos, mudanças sociais ocorridas e a falta de um debate sério sobre as desigualdades do país, esse sentimento não só inflou como se deturpou, principalmente após os protestos de 2013. Inflou ao ponto de nublar a realidade de um país que é conservador, é racista, é misógino, é transfóbico, é homofóbico, é hipócrita. Nós guardados em nossos genes, uns mais, outros menos, um aglomerado de preconceitos. E o pior: muitos de nós não nos olhamos no espelho. Pois se um povo leitor incomoda, um espelho revelador silencia e nos faz enxergar a verdade. Mas quantos querem isso? É angustiante.
E é preocupante saber que todos esses elementos, toda essa desumanização, não é percebida pelas massas. Alguns intencionalmente, outros por nunca terem tido condições de pensar sobre isso, o país se encaminha para eleições presidenciais em 2022 que podem reeleger o mesmo governo que as maltrata. De novo.
Sem perceberem que as promessas feitas em 2018 sobre “combate à corrupção”, “fim da politicagem”, “mais Brasil, menos Brasília” foram ignoradas ou simplesmente só existiram durante as eleições, as pessoas se deixarão levar pelas chamadas pautas de costumes: o aborto, proteger nossas criancinhas, defender a família, identidade de gênero… Ideologias que tapam os olhos diante da realidade. E é o fortalecimento dessa guerra ideológica que fortalecerá o eleitorado em vista da reeleição.
A pandemia? Bom, não dizem que brasileiro tem memória curta? Dois anos à frente é tempo demais, oceano grande para se navegar e lembrar do passado.
É triste, é angustiante e é preocupante.
O Brasil hoje canta nas igrejas e nos templos, reza e ora pela humanidade, sem notar a desumanidade de cada uma das suas atitudes. Este ano de 2020 revela um país ajoelhado diante de um Cristo fictício que em nada representa aquele verdadeiro messias que, milênios atrás, falou algo sobre ame ao próximo como a ti mesmo — o caminho para uma unidade global.
Mas com música alta, máscaras das orelhas e multidões em festa, quem escuta?
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