A estranheza do movimento “NoFap”
A mescla entre o moralismo religioso e a incapacidade de encarar a sexualidade como algo natural tem destruído a saúde mental de muitas pessoas
SE TEM ALGO QUE AGRADEÇO MUITO POR NÃO TER TIDO QUANDO ADOLESCENTE É ESSA OBSESSÃO DE ALGUMAS PESSOAS COM A MASTURBAÇÃO. Claro que lá atrás, começo dos anos 2000, havia muito mais tabu em relação a esse assunto. Porém, era o tipo de coisa mais no estilo: “Não faça, mas todo mundo sabe que tu vais fazer. Então, vamos fingir que você não faz e tu finges que concorda”.
Diferente disso, o que vejo bastante é essa energia direcionada ao tal “NoFap”, o movimento de evitar a masturbação ao máximo, com gente fazendo até desafios de quantos dias ficou sem se masturbar, impondo castigos a quem não consegue X dias, e julgando uns aos outros — e, claro, destruindo a própria saúde mental.
Eu digo isso porque percebo que o problema, em primeiro lugar, não está na masturbação em si. Tudo, absolutamente TUDO que for feito em excesso, fará mal em algum nível. Sabia que até a coisa mais banal do mundo, beber água, pode te matar se for feita em excesso, em exagero? Pois é. Portanto, se masturbar de vez em quando, eu te garanto, não vai te matar.
Um segundo ponto que percebo é como o movimento “NoFap” ataca o ponto errado do problema. Se fomos analisar, quem defende isso costuma fazer uma associação entre a masturbação e a pornografia, colocando tudo na mesma panela. Ao invés de focarem na questão do vício em pornografia, um problema de fato sério, muitas pessoas decidem “cortar o mal pela raiz” e “acabar logo com tudo”. É como se pensassem: se a pessoa parar de se masturbar, automaticamente vai parar de assistir pornografia.
Não, não é assim que funciona. Você não precisa da pornografia para se masturbar e nem todo mundo que assiste a pornografia se masturbando assistindo.
A masturbação é importantíssima para se conhecer o próprio corpo. E quando ela é feita sem se basear na pornografia, as coisas se transformam, você se conhece e, acima de tudo, aprende a se respeitar. E é nesse respeito próprio que ganhará base para não deixar que um parceiro ou uma parceira (ou ambos) te obrigue a fazer o que você não quer.
O “movimento NoFap”, muito dele alimentado pela boa e velha culpa católica que rege nosso imaginário coletivo (mesmo o de quem não tem religião), é um movimento que ignora tudo isso e faz um ato humano, instintivo e bonito de auto descoberta se tornar pecaminoso, horroroso, abominável.
Fuja disso. Por favor.
Eu fiz esse texto, quase um desabafo, porque esses dias tive uma longa conversa com um sobrinho meu. Com pais “cidadãos de bem” (!), sem abertura para conversar sobre isso sem tabus, ele me procurou. Estava desesperado porque se sentia culpado a cada vez que se masturbava e, por causa disso, estava pensando em aderir ao NoFap. E aí, a primeira coisa que questionei foi:
— A masturbação tem atrapalhado tua vida, teus estudos,. amizades?
A resposta foi negativa. Ele me disse que não gostava muito de assistir pornô, porém, sentia necessidade de se masturbar. E disse isso como se fosse um monstro, um pecador, e toda essa palhaçada religiosa (como se os padres não se masturbassem… mas Isso é outro assunto). E aí foram quase três horas de conversa para acalmar, tranquilizar e dizer o óbvio: não há nada de errado, segue a vida, descubra o teu corpo.
Simples assim.
Em uma sociedade que se recusa a ter orientação sexual nas escolas, que está mais preocupada se o vizinho dorme com um homem ou com uma mulher, ou em contar quantas vezes um adolescente se masturba por mês, surge um abismo na comunicação dentro de casa. E nesse abismo todo mundo afunda junto na certeza da farsa do pecado.
Liberte-se. ❤️