As ruas do meu bairro

Henggo
3 min readNov 13, 2024

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O desenho mostra casas e árvores rascunhadas.
O bairro. Arquivo pessoal.

AS RUAS DO MEU BAIRRO SE DESDOBRAM EM PAPÉIS DE VÁRIAS VIDAS MOLDADAS NO ORIGAMI DA EXISTÊNCIA. Nas dobras e vincos da gramatura social, há pessoas do meu bairro que parecem feitas do barro moldado pelas mãos do próprio Deus. Há aquelas feitas e refeitas sem encontrar forma; há as recicladas que parecem não se encaixar no mundo. E há vidas autodescartáveis embebidas na vontade de morrer afogadas em um copo de bebida.

Tantos papéis nas ruas do meu bairro…

Meu bairro. Por que digo “meu” se mal usufruo deste bairro? Que “meu” é esse que não me traz a doçura do mel de sentir-se comunidade, mas o fel do embate contra aqueles incapazes de compreender as palavras “empatia” e “respeito”? De fato, é em patos que penso ao ver o que vejo, quando muitos trazem um rei no peito e esquecem de amar. As ruas deste bairro sobreviveram à pandemia, mas não aprenderam a empatia de pensar no seu vizinho.

Quem se importa? Bebamos!

Há barulho aos domingos, vindo das caixas de som da carência de quem precisa berrar para fingir-se feliz. Gatos sobem nos telhados de sofrimento das famílias disfuncionais que vomitam em seus pets o amor que não conseguem emular em casa. Pessoas brigam a briga fútil e sem sentido da política esquecidas de que há uma briga sanguinária do outro lado do mundo. Carros estacionados na frente da rampa de acesso a cadeirantes denunciam o motor da ignorância abastecido com a boçalidade da brutalidade da insensatez.

É triste ver as ruas deste bairro…

Por estas ruas, passam motos com descargas estouradas no desespero de chamar a atenção, senão, seus donos podem estourar a própria cabeça com um tiro de canhão. Carros pegam a contramão do mundo, pois isso é dito ser um símbolo de boa direção e de um bom macho comedor. As ruas deste bairro presenciam os berros sobre o futebol que alimentam brigas entre torcidas enquanto ninguém briga devido ao lixo espalhado ou dos venezuelanos famintos nos semáforos. Há violência, insegurança, buracos e cansaço nas ruas deste bairro.

Bairro

O que é um bairro? Um emaranhado de vidas de papel que convivem em uma resma? Uma pseudo-comunidade que deveria lutar pelos mesmos ideais de bem-comum? Ou apenas um espaço grande cheio de casas onde cada papel se acha melhor do que o outro? Chamex, Almaço, Canson, Timbrado, Colorido, Reciclado, todos nós queimamos no mesmo fogo e viramos lixo no final dos textos.

As ruas estão cansadas e esperam por textos de consciência que até podem ser escritos, mas não serão lidos.

Vinhais. Sim, Vinhais. Esse é o nome do meu bairro. Vinhas são o conjunto de videiras plantadas em um terreno, com várias espécies de uvas. Quanto sumo escorre destas ruas? Quanto amargor mancha o papel que forma quem somos? Difícil dizer. É tudo tão estranho…

Nas ruas do meu bairro, somos uvas-passa super, mega, gritantemente, (ultra)passadas. Todos nós. E a cidade. E o país. E a vida.

Nas ruas do bairro do mundo, papeis são levados pelos ventos da destruição, largados na sarjeta, amassados, invisíveis, esquecidos. Somos nós.

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Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

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