Como fazer uma boa sinopse
A sinopse pode ser o diferencial para atrair, ou repelir, o público-leitor.
AH, A SINOPSE… Aparentemente simples, teoricamente óbvia, capaz de fazer maravilhas por qualquer livro. É claro que a capa (uma capa de qualidade!) é o primeiro contato do leitor com a tua obra, ainda mais em um oceano de possibilidades como o Wattpad, a Amazon ou alguma livraria. Contudo, quando a capa conquista, é preciso um segundo e decisivo esforço: a sinopse. De nada adianta gastar tempo e dinheiro com capas superproduzidas se a primeira imersão do leitor no teu texto for falha.
A capa é a lâmpada que atrairá a atenção dos teus leitores, sim, mas o miolo, o fio condutor da eletricidade desta lâmpada, a primeira fagulha de interesse, sem dúvida, é a sinopse.
A primeira e mais básica das dicas é: cuide da gramática e da ortografia. A sinopse é a tua “carta de apresentação”; o teu “curriculum vitae”. E, sim, o público é o teu empregador. Afinal, é ele quem comprará a tua obra, apoiará os teus passos e divulgará o teu nome. Portanto, é claro que ele tem o direito de exigir qualidade daquilo que adquire. “Ah, mas no Wattpad eu escrevo sem ganhar nada…” Errado. Você ganha notoriedade. Por isso, ter uma sinopse sem erros é uma demonstração de respeito tanto pelos leitores, quanto pelo próprio texto.
Uma segunda dica básica e pouco considerada é: só faça a sinopse quando a história já estiver completa. O motivo? Simples: a sinopse é um conteúdo que exige do autor total consciência dos meandros da trama. Exige saber os pontos-chave, as viradas, o caráter do personagem, problemas, o aprendizado ao longo do livro, tudo para fazer o texto de apresentação saltar aos olhos e conquistar de primeira. Você só conseguirá ter essas respostas diante da obra completa, acredite.
Produzindo a sinopse
Há dois tipos de sinopse. A “Sinopse Completa (ou Aberta)” é aquela enviada aos editores contando ponto a ponto do livro, inclusive o final. Ela tem o propósito de “convencer” o editor a publicar aquela história e apresentar o potencial da trama. Por outro lado, a “Sinopse Comercial (ou Curta)” é a chamada “sinopse do leitor”, feita para a relação público-obra, e este artigo tem foco nesta segunda vertente.
Logo de cara, a “sinopse do leitor” deve revelar o 1º impulso, o evento que faz o teu personagem ser instado a agir diante de uma situação. Por exemplo, vejamos a sinopse comercial do livro A Árvore da Mentira (2015) da autora Frances Hardinge.
Na inóspita ilha inglesa de Vane, em pleno século XIX, os Sunderlys desembarcam, atraindo atenções e suspeitas. Quando o reverendo Erasmus, patriarca da família e proeminente estudioso de ciências naturais, é encontrado morto em circunstâncias obscuras, sua filha, a jovem e impetuosa Faith, está determinada a desvendar o mistério. Para isso, precisará de coragem não apenas para confrontar dolorosos segredos, mas também para desafiar as implacáveis tradições da sociedade em que vive. Investigando os pertences do pai em busca de pistas, ela descobre uma planta estranha. Uma árvore que se alimenta de mentiras sussurradas e dá frutos que revelam verdades ocultas. Quando a espiral das sedutoras mentiras de Faith fica fora de controle, ela compreende que as verdades estilhaçam muito mais. Combinação de horror, romance policial e realismo fantástico, esta arrepiante história da premiada escritora britânica Frances Hardinge, autora de Canção do Cuco, promete arrebatá-lo do começo ao fim.
Perceba como o 1º impulso já foi definido para nós: a jovem Faith muda com a família para uma ilha, vê-se diante da morte do reverendo Erasmus e, ao investigar, descobre uma planta que se alimenta de mentiras. BINGO! Você percebe as ligações? Percebe como a sinopse, ao revelar o impulso, faz o leitor criar conexões entre os pontos abordados para também ir em busca de respostas? Como o mistério é jogado em nossos colos? Somado a isso, é interessante como essa sinopse nos serve para abordarmos um aspecto fundamental: as sete perguntas que uma boa sinopse comercial deve responder.
1. Quem é o protagonista?
2. Qual o conflito?
3. Onde a história acontece?
4. Qual o problema a ser resolvido?
5. Qual o gênero?
6. Qual o caráter do personagem?
7. Qual o enredo do livro?
Sim, são muitas. Mas quer uma dica de ouro? Para começar a definir tua sinopse, tente resumir o teu livro em uma frase que responda às questões acima. Se fizermos esse exercício com A Árvore da Mentira teríamos algo como:
Faith Sunderly, uma curiosa garota inglesa do século XIX, entra em um perigoso jogo de intrigas, investigações e mortes ao descobrir uma árvore que se alimenta de mentiras, segredo este que pode destruir a família da menina.
Se nos aprofundarmos nessa frase, veremos que todas as respostas às perguntas de elaboração da sinopse foram respondidas.
1. Quem é o protagonista? Faith Sunderly
2. Qual o conflito? A destruição da família
3. Onde a história acontece? Inglaterra, século XIX
4. Qual o problema a ser resolvido? Jogo de intrigas, investigações e mortes
5. Qual o gênero? Fantasia (“uma árvore que se alimenta de mentiras”) | Mistério (“jogo de intrigas, investigações e mortes”)
6. Qual o caráter do personagem? Curiosa
7. Qual o enredo do livro? A descoberta da árvore da mentira e as consequências dessa descoberta.
A partir daí, desenvolve-se essa frase de modo a criar uma sinopse comercial estruturada, com algo de no máximo 2000 caracteres com espaço (a sinopse de A Árvore da Mentira tem 995 caracteres). O ponto fundamental aqui é mostrar o gênero, o protagonista e o conflito. Isso por que você “fisga” o leitor imediatamente, como se plantasse nele a semente da dúvida, do mistério. Mais ainda, ao já deixar claro na sinopse qual o gênero você fornece uma prévia do que virá pela frente caso a pessoa prossiga na leitura. Já o caráter é o movimento de empatia que faz com que a pessoa se reconheça naquela personagem, estando essa característica ligada ao conflito e ao problema. A curiosidade de Faith, por exemplo, a leva até a árvore e à possibilidade de destruir a família Sunderly.
Vamos para mais um exemplo? Veja a “frase-resumo” do conto Conversas com Deus no coreto do Éden.
Após acordar no escritório de Deus, o missionário fervoroso Sandro Berkile tem uma conversa com o Criador que pode não só destruir suas convicções religiosas como fazê-lo questionar a necessidade de a humanidade (e de ele mesmo) continuar a existir.
Respondendo às perguntas da sinopse, teremos…
1. Quem é o protagonista? Sandro Berkile
2. Qual o conflito? Destruição das próprias convicções religiosas
3. Onde a história acontece? Escritório de Deus | Ceu
4. Qual o problema a ser resolvido? Definir se a humanidade deve continuar a existir ou não
5. Qual o gênero? Ficção Religiosa (“acorda no escritório de Deus” | “uma conversa com o Criador”) | Filosofia (“uma conversa com o Criador”)
6. Qual o caráter do personagem? Missionário fervoroso
7. Qual o enredo do livro? Um missionário cheio de convicções que é forçado, em uma conversa com Deus, a questionar a vida.
Ao desenvolvermos a sinopse comercial, chegou-se ao seguinte resultado:
O missionário Sandro Berkile vive em um mundo de convicções. Dividido entre a família e a igreja, ele passa os dias em busca de levar a palavra da Bíblia ao maior número de pessoas. Até o dia em que, ao acordar no escritório do próprio Deus, é obrigado a questionar a própria fé. Mas como fazer isso quando certos preceitos e preconceitos já estão enraizados na alma? Em uma jornada de autodescoberta, esperança e transformação, Sandro viajará entre várias épocas da própria vida, questionará a relação com os pais, o papel da mulher na sociedade, a sexualidade dos filhos; discutirá com Deus a importância da religião, a evolução natural, Adão e Eva, Levítico, o Gênesis, o papel da humanidade no universo, a existência do inferno, o sentido de nascermos. Acima de tudo, o missionário se verá diante do maior desafio dos desafios: compreender o significado de amar sem barreiras. Você teria coragem de enfrentar uma conversa dessas? Se a sua resposta for “Sim”, abra a mente e embarque nesta jornada. Assim como Sandro Berkile, você não voltará diferente.
Viu como não é complicado? Perfeito? Talvez, não. Porém, certamente, mais instigante do que um simples “Sandro Berkile acorda no escritório de Deus e discute coisas com o Criador que podem mudar a vida. Ele não voltará diferente e nem você.”
Portanto, o desafio é pegar livros dos quais você goste, ler as sinopses e tentar responder às perguntas. Principalmente, treinar nos teus próprios textos. Pode ser cansativo e muitas reescritas virão, mas a mudança valerá a pena.
Referências
HARDINGE, Frances. A Árvore da Mentira. Trad. Caio Pereira. Barueri, SP: Novo Século Editora, 2016.
HENGGO. Conversas com Deus no coreto do Éden. Online: Amazon Books, 2019.