Compre! Finja! Morra!
As pedradas de ser um “diário” em um mundo cada vez mais incapaz de escutar.
LEMBRO DE UMA ENTREVISTA QUE CONCEDI HÁ ALGUNS ANOS PARA UM CANAL DO YOUTUBE VOLTADO PARA O WATTPAD. Foi uma experiência estranha porque ali eu vi na prática essa questão do ego. Em determinado momento, uma garota foi me fazer uma pergunta. Ao invés de ser direta, ela passou exatos quatro minutos comentando sobre o livro dela, o processo dela de escrita, como os personagens dela eram incríveis e onde os livros dela estavam à venda. Só então, lembrou que aquilo era uma entrevista e me fez a pergunta “E para você?”.
Eu apenas respondi “É do mesmo jeito”.
Para algumas pessoas isso é normal, afinal, nos é dito que “devemos vender nosso peixe”. Eu concordo. Ser um artista independente exige sim uma exposição do que fazemos. Contudo, algo que noto é como as redes sociais e a ascensão de uma pseudo profissão chamada “criador de conteúdo” alimentaram a falta de noção e de empatia das pessoas.
Em prol de vendas, números, seguidores e curtidas, o que era apenas “o sonho de ser escritor e viver disso” se transforma na obrigação de se vender a qualquer custo, mesmo que isso signifique passar por cima dos outros ou se humilhar em prol de atenção.
A pergunta que fica é: vale a pena?
Finja! Finja! Finja!
Um colega meu, também artista plástico, responde que sim, afinal, ele estava “pagando contas com o que gostava de fazer”. Para isso, ele fazia vídeos no TikTok onde pintava só de cueca, mostrando o corpo e por vezes fazendo dancinhas em frente às pinturas. Funcionou. Eu vi funcionar. Mas sabe qual é o plot twist disso tudo: depois de dois anos fazendo isso, gravando vídeos diariamente, pressionado por fazer os números crescerem, ele teve um colapso nervoso e foi parar no hospital. E mesmo internado a preocupação dele era com os seguidores.
Volto a fazer a pergunta: vale a pena?
Finja! Finja! Finja!
Às vezes (muitas vezes), eu acho que eu estou errado, sabe. Eu saí das redes sociais, não gosto de dancinhas e acho cafona essa superexposição. Eu gosto de gente, gosto de ir para o interior e ficar em silêncio, odeio o WhatsApp. E sou criticado, sabe por quê? Porque eu deixo as outras pessoas falarem. É, eu sei escutar. Não é bizarro? É algo que faz parte da minha índole, tanto que no colégio, desde o 5º ano, meu apelido era “Diário” porque as pessoas apenas se aproximavam de mim e falavam. E eu escutava. E tudo bem. Contudo, em uma sociedade cada vez mais apática e desesperada por exposição, ser um “diário” e ter a índole de escuta pode render pedradas.
A Psicologia explica que todos nós tendemos a ver o outro conforme nossos vieses, preconceitos e carências. E saber disso me conforta, pois sei que o problema, em parte, não é exatamente comigo. E eu deixo passar ao invés de reclamar que a outra pessoa não me escuta. Mesmo assim, o que mais recebo são mensagens exigindo que eu brigue e faça e aconteça; que volte para as redes sociais e fale, fale, fale, e dance e rebole e mostre meus livros e telas com sorrisos efusivos de um comediante contratado para gritar “COMPRE! COMPRE! COMPRE!”.
Mas e se por trás desse sorriso eu estiver represando desespero e angústia? Bom, não importa. Finja ser e você será. Não é o que dizem?
Finja! Finja! Finja!
Tempos estranhos onde a escuta é rejeitada e os diários são queimados. E em meio às cinzas do sofrimento, não tenha dúvida, alguém fará uma dancinha sobre os escombros dizendo para você comprar o que ela está vendendo.
E você vai curtir.