Descobri por que eu não gosto do BBB

Diferente do que muitos alegam para evitar o programa, minha repulsa ao BBB tem mais a ver com os exageros do público.

Henggo
6 min readApr 22, 2024
Vê-se um homem berrando no meio de uma multidão, desesperado porque todas as pessoas estão com celulares nas mãos tentando se aproximar desse personagem.
“Uma foto”. Imagem feita com o Midjourney

EU ASSISTI A POUCAS EDIÇÕES DO BIG BROTHER BRASIL. Apesar de ter memórias confusas quando olho para o meu passado pré-17 anos de idade, tenho lapsos de recordação com a primeira edição (a do BamBam com a vassoura, inesquecível), lembro alguma coisa da edição que teve a Sabrina Sato, flashes com a menina que cantava ‘’Iarnuou, iarno children’’ dentro de uma gaiola; recordo da comoção em torno da edição que consagrou o Jean Wyllys campeão e teve como bônus de carisma a Grazi Massafera. E ponto. Foi onde parei de assistir. Vida que segue. Porém, com um programa desse tamanho, com tantas edições e que causa comoção nacional (sem contar o acirramento dos ânimos pró e contra), é impossível se dizer ‘’imune’’ ao que acontece no BBB.

Se você é um ator social e não está isolado, isolada, nas entranhas de uma floresta, você se deparará sim com notícias sobre o Big Brother. Seja na internet, no barbeiro, nas chamadas que a Rede Globo passa a todo o momento; seja nos assuntos que o programa levanta e que traduzem muito do que é a sociedade brasileira, o Big Brother está em nossa realidade, queira você ou não. Paciência.

Hoje, aos 36 anos de vida, já tendo passado por muitas coisas, mais maduro, não tenho mais essa vontade de ‘’tocar fogo em tudo’’ e de fazer textões nas redes sociais para falar como eu ‘’tenho orgulho de não assistir ao BBB’’. É engraçado vendo agora como era uma atitude boba, tola; uma maneira besta de estabelecer uma diferenciação entre mim, que não assisto ao programa, e ‘’os outros’’. Idiotice. Poderia colocar isso na conta da pouca idade, falta de visão de mundo, mas não faria sentido de qualquer forma. Falando o português claro, era puro suco de arrogância.

E cheguei a essa conclusão por um motivo muito, muito simples: eu amo reality shows.

Antes de existir serviços como a Netflix, quem tem mais ou menos a minha idade deve lembrar que nós não tínhamos acesso a reality shows do modo como é hoje. Tudo girava em torno da televisão aberta. Às vezes, quem tinha acesso à TV paga lidava com um ou outro programa do gênero, mas também não era com a diversidade que temos hoje. No meu caso, por exemplo, o máximo de reality show que eu tinha à disposição eram coisas como, sei lá, ‘Gugu na Minha Casa’’, competições de culinária, ‘’SuperNany’’ ou a primeira edição do ‘’No Limite’’.

Até que vieram os serviços de streaming e eu me descobri um amante de reality shows.

É engraçado pensar que eu já assisti de tudo, das competições de todos os tipos até reality, digamos, eróticos (e que têm algo de forjado, mas a gente finge que não). Nos últimos 10 anos eu passei por ‘’The Circle’’, ‘’Ru Paul’s Drag Race’’, ‘’Mandou Bem!’’, ‘’Next in Fashion’’, ‘’Largados e Pelados’’, ‘’Ilhados com a Sogra’’, ‘’Túnel do Amor’’, ‘’Mestre do Ferro’’, ‘’Vidrados’’, ‘’Os 100'’; programas médicos, programas de bizarrices, reformas de casa, centenas de coisas de culinária, competição de pintura, troca de casais, atores da indústria gay trancados em uma casa (!), a vida de animais de estimação, câmeras para acompanhar um formigueiro ou uma colmeia, competições de maquiagem, competições de efeitos especiais, competições de desenho de anime… Muita, muita coisa. E sim, tecnicamente, tudo isso é reality show, ok? Porém, o curioso é como, apesar de toda a minha ‘’expertise’’ em reality shows, o BBB nunca me desceu.

Sabe quando você come todos os tipos de frutas, mas odeia maçã sem nenhum motivo aparente? Essa é a minha situação. Ou melhor: era até eu ver esse último BBB 24 e analisar de onde vinha a minha raiva. A resposta é muito direta: eu odeio o BBB porque é um reality em que o público se envolve para escolher o vencedor. E, tenhamos sensatez, quando o público se envolve, a tendência a criar rivalidades e exageros é MUITO grande.

Eu cheguei à conclusão de que os reality que costumo assistir são:

1) Pré-gravados;

2) Com poucos episódios;

3) Envolvem uma demonstração de alguma habilidade que conduz ao prêmio (cozinhar, pintar, fazer força, transar…);

4) O público não se envolve na escolha de vencedores — ou, ao menos, não se envolve diretamente.

E aí eu somo isso a algo ainda mais pessoal que é o fato de que não consigo entender a idolatria. Sério: eu não consigo entender a comoção das pessoas em torno de alguém. Confesso que eu acho a gritaria ao redor de uma dita celebridade algo meio cafona e sem sentido. Já levei pedradas ao dizer isso, mas não tenho como falar de outro jeito: quando você vê alguém, literalmente, se rasgar todo de desespero por causa de um artista, há algo de errado nisso.

Um fato marcante que ilustra isso foi quando tive a chance de ficar frente a frente com o Guilherme Arantes.

Eu sou fascinado por ele, que faz parte da minha vida desde guri. Então, eis que quando eu estava na Rádio Universidade aqui em São Luís, que todo final de ano faz o Prêmio Rádio Universidade e convida um artista de renome nacional para fazer o show, eu me vi cara a cara com Guilherme Arantes. O interessante é que muitas pessoas, sabendo da minha admiração pelo cara, pensaram que eu iria tremer, fazer espetáculo, chorar… E eu também pensava isso, já que até ali, meados de 2010, eu nunca tinha tido a oportunidade de ficar diante de alguém desse porte. Pois bem, o Guilherme Arantes chegou para visitar a rádio, eu fui lá e só conversei com ele. Disse que admirava seu trabalho, falamos sobre alguns LPs dele que eu escutava quando era criança, perguntei uma coisa ou outra sobre alguma música, e fim, acabou.

Não tive vontade de tirar foto, não peguei autógrafo, não berrei, não chorei, não me rasguei, não disse “eu te amo”, não quis pegar no cara ou “tirar um pedaço” do Guilherme Arantes, nada. Naquele momento, eu percebi que amava o trabalho do cara, mas não queria saber necessariamente dele, entende?

Eu quero a música, não a pessoa. E isso acontece com todos os artistas que admiro. Por causa da vida como repórter, por exemplo, eu tive a oportunidade de encontrar nomes como Alcione, Zeca Baleiro, Luiza Possi, Pitty. Contudo, para a indignação dos meus amigos, não tenho fotos com essas pessoas e nem autógrafos, apesar de ter a discografia completa da Pitty, por exemplo. O motivo é exatamente o que já expus: eu separo a ‘’pessoa física’’ da ‘’pessoa jurídica’’. Fora dos palcos, fora dos estúdios e dos holofotes, eu vejo essas pessoas não como ‘’deuses e deusas inatingíveis’’, mas simplesmente como pessoas que fazem trabalhos fodas, tiveram seu merecido destaque e ok, tudo bem.

Uma vez eu disse para um amigo meu:

— Cara, eu não quero que o Chorão (Charlie Brown Jr.) seja meu amigo. Eu quero a poesia foda que ele consegue fazer. Isso já me satisfaz.

Mas eu sei que, em uma realidade de mídias sociais em que ‘’tirar foto para provar que esteve lá’’ virou uma norma, eu sou um merda. E é nesse ponto que a minha aversão pelo Big Brother fez ainda mais sentido para mim.

A idolatria das torcidas dos participantes é algo que vai de encontro à minha índole de não endeusar as pessoas.

Nos últimos anos, comecei a notar como os artistas que admiro muito são aqueles que pouco aparecem fora das telas, sem alimentar esse endeusamento. Jeff Buckley (in memoriam), Sarah Brightman, Loreena McKennitt, Enya, Guilherme Arantes, PJ Harvey, ANOHNI, Maria Alcina, Cícero, Dolores O’Riordan (The cranberries, in memoriam) eram ou são artistas com foco no que têm a oferecer no palco e nas músicas. Concluí que a vida pessoal dessas pessoas não me interessa. E quando penso que a minha mãe nunca foi uma pessoa do tipo que é ligada na vida dos vizinhos, isso explica muito sobre a minha ojeriza a essa ânsia por esmiuçar a vida alheia.

Mesmo nos reality shows que assisti e adoro, quando o programa termina eu não quero saber o que aquelas pessoas estão fazendo pós-espetáculo. Já tive meu entretenimento, valeu, obrigado, parabéns, tchau. Próximo programa!

Uma vez me perguntaram se houvesse uma mudança e o BBB tivesse outra dinâmica para escolher os vencedores, algo que não envolvesse o público, se eu assistiria. E eu cheguei à conclusão de que (provavelmente) sim. Se fosse algo afastado de paixões à la torcida de futebol (que eu abomino) eu dormiria mais tarde para assistir, como já fiz e faço com outros reality shows. Sem problema. Porém, como sei que a Globo nunca fará isso (é só ver o que aconteceu com outros reality como o supracitado ‘’No Limite’’), sei que me manterei distante.

Continuarei na minha rotina de ‘’assistir’’ ao BBB indiretamente enquanto minhas entranhas se revolvem com a cafonice do endeusamento sem sentido.

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Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

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