Estou cansado de machos faladores
Insistir na demonstração constante de macheza torna qualquer convivência um martírio.
ESSES DIAS, DEVIDO A UM PROBLEMA HIDRÁULICO, FUI OBRIGADO A FAZER UMA REFORMA AQUI EM CASA. Além dos transtornos inerentes a esse tipo de atividade (nunca vi tanta poeira na vida!), estou tendo de lidar diretamente com outro “subproduto” desse processo: pedreiros. E dessa vez, eu me deparei com um espécime da fauna masculina que tem exigido muito da minha paciência: o “macho falador”.
O “macho falador” está em todo lugar, sempre esteve. Em uma sociedade patriarcal e misógina como a brasileira, então, você encontra vários deles. Mas o que são? Onde vivem? O que comem? Quanto mentem? Vamos explicar. O “macho falador” (cientificamente, heterus carentis faladorus) é aquele tipo de homem que a minha saudosa avó, Firmina Gomes, chamaria de “empoado”. São aqueles de peito estufado, pose de machão, fala grossa, um toque de boçalidade. Você sabe do que estou falando, não sabe? Hoje, nestes tempos de redes sociais, pode-se dizer que eles fazem o tipo que chamam de “posturado”. Contudo, além dessas características típicas, podemos complementar a descrição com: não sabem escutar; veem o silêncio como ameaça; têm uma masculinidade frágil que escorre caso chorem; abominam a ascensão dos direitos das mulheres; nutrem ideais tortos sobre o que seria “ser homem”; muitos amam música alta e carros grandes; têm forte pendor para destilar preconceito contra minorias; adoram piadinhas de cunho sexual (apesar de se dizerem moralistas); são um barril de pólvora ambulante, sempre a um milímetro de cometerem algum ato violento.
Sim, estou lidando com isso. É cansativo.
Claro que eu — creio que todos nós — já lido com espécimes assim desde que me entendo por gente. Convivo com “machos faladores” entre tios, primos, vizinhos, colegas de universidade. Assim como nós, LGBTQIA+, eles também “estão nas melhores famílias”, veja só! A vantagem é que, nesses casos mais próximos, integrantes do seu convívio, você consegue se manter distante mesmo que permaneça no mesmo habitat. Agora, na realidade intensa de uma reforma, onde cada dia é uma surpresa e você praticamente fica refém dos pedreiros, não tem muito como evitar a interação com essas criaturas. E é nesse ponto que começa meu exercício de paciência.
Um dos “machos faladores” que está na minha casa, por exemplo, viu minhas pinturas e logo revelou que também tem um pendor para as artes plásticas. Porém, como é típico de pessoas ególatras (também uma característica dessa espécie de macho), ao invés de conversar comigo sobre as minhas obras, ele decidiu partir para uma comunicação violenta. Começou a enaltecer os prêmios que ele tem, os artistas que ele conhece, o tamanho dos quadros que ele faz (“machos faladores” amam falar do tamanho das coisas, perceba) e quanto ele ganha com os quadros que vende. Foi engraçado. O senso comum tende a pensar que, pelo fato da pessoa mergulhar em algum fazer artístico, isso automaticamente a deixaria com uma mentalidade mais aberta. Ah, amigo e amiga que lê aqui, quem dera a vida fosse tão simples…
Para você entender a narrativa desse cara, trago abaixo um compilado de frases “edificantes” ditas por esse ser:
“Van Gogh? Van Gogh era um grande de um merda! Nem sabia desenhar!”
“Hoje em dia, todo crítico de arte é viado.”
“A arte caiu tanto de nível que hoje em dia até esse tal de grafite, que é crime, ganhou mídia.”
“O homem deve mandar na casa, mesmo se a mulher ganhar mais do que ele.”
“Como a mulher é o símbolo do pecado, ela deve se submeter ao homem como castigo.”
“Eu ‘dou 3’ com minha mulher e ela não aguenta! Rá, rá, rá, rá!”
“Ninguém valoriza minhas pinturas aqui porque o povo é burro!”
“Um povo burro é um povo que aceita essa palhaçada de homem com homem, mulher com mulher.”
“A arte clássica é a única que presta.”
Sim, essas frases saíram da boca dele, conversando cara a cara comigo. Algo que acho curioso é como esse tipo de gente vive em busca de validação para sustentar seus argumentos tortos. Assim, toda oportunidade é uma chance de vomitar o chorume que reside em seus pensamentos para ver se o ouvinte (no caso, eu) compartilho do mesmo lixo. Para você ter ideia, às vezes a conversa fluía com naturalidade, sobre algo banal, alguma notícia, então, do nada, vinha algo do tipo: “Rapaz, e esse bando de bicha agora, hein?”
Você já percebeu como todo “macho falador”, “machão”, “picudo”, “fortão”, “coçador de saco”, ama um “viado”? Peculiar, meu caro Watson. Muito, muito peculiar.
Sabe, têm sido dias de exercício de uma das minhas maiores habilidades: fingir demência. Isso porque contra-argumentar com um “macho falador” é um desperdício de energia. Primeiro por ser muito improvável mudar a mentalidade de alguém assim apenas em um ou dois diálogos. Segundo, pela incapacidade que a maioria desses homens têm de realizar a “escuta ativa”, a esquecida, ignorada e mesmo rejeitada arte de escutar o outro com total atenção, sem querer a todo momento interromper — algo que essa pessoa que tem convivido comigo esses dias claramente não consegue fazer.
A Psicologia ensina que você só se conhece no olhar do outro e olhando o outro. De fato, eu diria até que é nesse olhar, nessa convivência com alguém tão diferente, que descobrimos quão fortes são nossas convicções; você descobre se aquilo em que você crê está de fato enraizado em sua mentalidade. É nesse ponto que a minha cara de paisagem enquanto o “macho falador” se infla como um zepelim desnorteado não significa apoio às falas dele ou submissão. Pelo contrário, quando você tem suas convicções bem delineadas, falas tolas e opiniões estúpidas não te abalam — elas te dão a certeza de que você, sua história de vida, mortes, cirurgias, quedas e retornos, tudo valeu a pena para que você saiba quem é e qual o seu papel no mundo.
“Machos faladores” são pessoas carentes e tristes. São carentes porque têm fome de atenção, precisam a todo instante que alguém valide sua macheza, num desespero ininterrupto, um falso empoderamento masculino que esconde alguém que, quando sozinho, tem medo de si, medo dos próprios pensamentos, incapaz de abrir a mente diante de uma sociedade em transformação. E tristes por viverem como se estivessem a todo momento sob ataque, estressados, ansiosos, cansados; com olhares que explodem em agonia, mesmo que por fora estejam com sorrisos grandes e seus sistemas de som berrando na praça.
Thomas Huxley, biólogo e filósofo britânico, tem uma frase que adoro: “As piores dificuldades de um homem começam quando ele é capaz de fazer o que quer”. E, por experiência própria, eu te digo: é verdade. Você apanha, leva pedradas, chute; tentam te afogar, abusar, destruir. Mas é maravilhoso. Quando você é quem quer ser, e tem coragem de encarar as consequências dessa atitude, você perde a necessidade de falar, aparecer, convencer, ser aplaudido, e ganha um camarote para assistir ao espetáculo dos “machos faladores” que, fala após fala, afundam no tsunami da própria saliva.
O espetáculo da macheza é a égide das coxias de solidão no grande teatro dessa peça que chamamos de “vida”.