Eu ando nas pontas dos pés (#ArteEmContos)

Henggo
Aug 6, 2024

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Obra “Watercolor Lines 022 (Paisagem, 160×120 cm)” | #praTodosVerem | Descrição da imagem: vê-se a pintura de um homem sem roupa deitado sobre um tronco de árvore, pensativo.

ÀS VEZES, EU ANDO NAS PONTAS DOS PÉS EM UM BALÉ DE DESAPARECIMENTO. O que veem como tentativa de sofrimento, descubro ser clamor, fome, ânsia por não ser.

Não ser chamado.

Não ser visto.

… conclamado.

… elogiado.

… exigido.

Apenas não ser.

Ando nas pontas dos pés em uma furtividade aviltante perante um mundo que corre com saltos gritantes. Há algo de peculiar como, em um mundo de tanta violência, as pessoas te acham estranho por você gostar do silêncio.

Silenciar é um ato político.

Num mundo que fala, eu me calo.

Num mundo que expõe, eu escondo.

Num mundo que corre, decido acalmar.

Ando nas pontas dos pés pelas madrugadas para me mesclar ao medo que me persegue e, sorrateiro, surpreender meus receios. Ando assim para me aproximar do que é e não quer ser visto sendo.

Ando nas pontas dos pés pelo medo de me enraizar.

Mas plantas que não criam raízes simplesmente falecem, ou enfraquecem ao ponto de não aguentarem uma brisa. Porém, o que acontece com plantas que já morreram, renasceram, num ciclo que parece infinito?

Enraízam-se, sim. Para dentro.

Buscam água no oceano da mente, puxam carbono da fumaça da queda da vida, lançam oxigênio para arejar os pensamentos; criam teias de raízes-neurônios no fortalecimento da floresta de narrativas que embelezam a humanidade.

Ando nas pontas dos pés em meio aos caminhos de terra que adentram entre meus dedos; armo acampamento nas clareiras da clareza dos meus pensamentos. No silêncio das matas de mistério regentes de minha índole, pego os restos dos meus sonhos destruídos, arrumo-os em rumas de reflexão, acendo fogueiras para que o fogo da mudança arda dentro de mim.

E ainda nas pontas dos pés, eu danço inebriado pela fumaça-perfume impregnada em minha carne.

Na ponta dos pés, eu danço músicas de silêncio, componho versos de mudez, tiro sons ao dedilhar as ranhuras das minhas cicatrizes. Tanto danço sobre meus túmulos de outros eus assassinados por mim que faço um buraco na terra para que meus pés dançantes encontrem as raízes pensantes e puxem-me para comungar de quem sou.

E enfim desapareço no micélio-universo constitutivo dessa teia de raízes-pensamentos que ouso chamar de vida.

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Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

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