“Maníaco do parque” e as escolhas narrativas simbólicas

Apesar dos problemas narrativos, a crítica à espetacularização da violência é muito bem-vinda — e necessária.

Henggo
3 min readOct 22, 2024
Vê-se uma pintura do rosto do ator Silvero Pereira caracterizado como o maníaco do parque. Em destaque, sangue, hematomas e um olhar sereno.
Arquivo pessoal. Silvero Pereira em “Maníaco do parque”.

NÃO TENHO MUITAS RECORDAÇÕES DA EXPLOSÃO MIDIÁTICA QUE ACONTECEU NESSA ÉPOCA DO “MANÍACO DO PARQUE”. Porém, pensando como escritor e jornalista, eu gostei da crítica ao espetáculo da imprensa em torno do caso. Tenho uma história semelhante à vivida pela personagem principal do filme, a jornalista Helena (Giovanna Grigio). Durante uma rebelião na Penitenciária de Pedrinhas, quando os presos decapitaram os colegas e atiraram suas cabeças para cima do muro, um dos editores chegou à redação com as imagens das cabeças decepadas, gritando que “sangue vende, sangue vende”. Peguei minhas coisas e fui embora.

Por mais utópico que pareça, o jornalismo precisa de ética, pois somos sim um poder. E um poder que entra na mente das pessoas e influência a sociedade.

Outro ponto que entendo é a criação da personagem dessa jornalista. Penso que se o filme fosse focado no “maníaco do parque”, como vi algumas pessoas falando, seria desrespeitoso com as vítimas. Muito desrespeitoso. Imagina você ter sido abusada, sobrevive e de repente vê o teu abusador de fato ganhar ainda mais fama, anos depois? Seria bizarro se contassem a história de vida dele desde criança e a construção psicológica desse homem. Nesse sentido, a figura da personagem Helena serve ao primeiro ponto que eu trouxe sobre a mídia e se torna um elemento simbólico para mostrar como a sociedade misógina contribuiu para o espetáculo que o caso teve naquela época.

É uma questão narrativa, mas também uma questão atual, pois o espetáculo midiático ainda acontece.

Agora, dito isso, não sei se é algo pessoal, apenas ao meu olhar, mas achei o filme muito “limpo”. Isso me incomodou. Deve ter sido uma escolha do diretor diante de um pano de fundo que é naturalmente sombrio. Porém, na minha opinião fecal, causa estranheza e prejudica a mensagem. Eu queria me sentir mais incomodado e de fato esperava asco, revolta… Mas não. Comigo, não rolou. Houve algo de vazio aqui.

Simbolicamente, é um filme forte. Narrativamente, não.

Cartaz do filme. Divulgação. Amazon Prime Video.

Apesar desse ponto, aplaudo de pé aspectos técnicos como a captação de áudio, as tomadas de câmera e, especialmente, o elenco. E, claro, Silvero Pereira.

Uau! Simplesmente isso: UAU! Lembro que no livro “Prólogo, Ato, Epílogo” a Fernanda Montenegro fala que a função de um ator, uma atriz, é emprestar rosto e corpo à personagem e sumir ali dentro; despir-se da vaidade e mergulhar em outro rosto. Silvero faz isso. Ele se transmuta. O olhar, meu Deus, o olhar dele muda. É impressionante. Uma atuação para te fazer acreditar que ele é perigoso. É uma construção de personagem muito minuciosa que vai em uma crescente de ações que nos ensina sobre a importância de moldar uma personalidade marcante para os nossos personagens.

Taí, pensando agora, a sombra que eu tanto esperava no filme foi trazida pelo Silvero. Ainda bem! Viva a atuação impactante de Silvero Pereira!

Pelo menos, diante do simbolismo das mensagens trazidas em tempos de feminicídio crescente no Brasil, um filme como esse mexe com nossos brios sociais. Claro, seria muito melhor se a narrativa, a trama, fosse melhor trabalhada. Porém, mesmo o incômodo mínimo que uma obra como essa cause já vale para nos fazer refletir.

https://www.youtube.com/watch?v=3759uEJ17gE

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Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

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