O fardo de ser adulto

Apenas um breve desabafo sobre a vida adulta.

Henggo
3 min readJul 18, 2024
BODIES 056 — Reerguer, pintura digital, arquivo pessoal

ÀS VEZES, EU SÓ QUERIA DEITAR NO CHÃO E VER AS ESTRELAS. E ficar lá, quieto, em silêncio, estatelado, inerte; um ser sem objetivo algum. Quem me olhasse não veria o escritor, nem o artista plástico e menos ainda o jornalista. De fato, nada veria. Eu seria um homem-grama, verde, enraizado; livre. E lá eu ficaria sob as estrelas, recebendo o orvalho e vivendo uma vida ciente da minha única e maravilhosa missão: ser grama.

É legal ter uma missão, saber-se “para algo”, entender começo, meio e fim. Ponto final. Preciso de um ponto final para o próximo passo. Estou farto de pontos que continuam. Eles me irritam. Reticências, então, o fardo do não dito. Isso me cansa, cansa muito.

Estou cansado do faça isso, faça aquilo, seja isso, seja aquilo, gaste muito. Que saco! Por que se gasta tanto, meu Deus!? Que vida frívola de gastos. Irrita. A comida irrita, o gás irrita, as contas irritam, o carro me irrita; as roupas, água, televisão… Me pergunto até que ponto toda essa dita evolução nos tornou melhores. Parabéns! Evoluir para trabalhar e trabalhar e trabalhar para ganhar dinheiro e, lá na frente, morrer sem ter vivido. Genial essa ideia! Quem propôs deveria ganhar um prêmio — mas já deve estar morto, sepultado debaixo das milhares de riquezas conquistadas ao longo da vida e nunca desfrutadas.

Sou escritor e artista. Bem, grandes merdas. Num país que não lê, mexo com leitura; num país que vê a arte como inutilidade, mergulho em tintas. Genial essa ideia também. Engraçado que estou cercado por pessoas que dizem gostar do que faço, mas não leem meus livros e nem me estimulam a pintar, a prosseguir. Chego a pensar que se eu largasse tudo (palavras, tintas, arte, sentimentos, esperança), arranjasse um emprego comum, onde eu passasse 8, 9, 10 horas por dia (como já vivenciei anos atrás) e a cada volta para casa tivesse vontade de me matar, talvez, aí, sim, diriam que estou “finalmente trabalhando” e me deixariam em paz.

A infelicidade é a medida do sucesso? Pois é o que os falsos elogios me levam a crer. Elogios-arpões que estraçalham quadros, apagam palavras…

Sabe, é foda ter esse dom de ler as pessoas, ir além do óbvio, cair em olhares-poços. Vejo mais do que devo, leio escárnio e sarcasmo; pesco críticas sutis em palavras de veludo. Sim, isso cansa. Cansado de mentir, das máscaras, explicações, altivez; de saco cheio de autocomiseração.

Mundo maluco onde não se pode ser o que se quer. Preferem alguém triste, estafado, estressado num “emprego comum”, a alguém feliz, realizado, num emprego que se ganha pouco, mas tem-se tempo para viver. Pouco? Nada. É um paradoxo: querem que você se realize, mas não estimulam você a se realizar. É como se dissessem; “Faz aí tua arte, mas eu não vou comprar.” Aí, quando você joga tudo para o alto, cansado de tentar e tentar e tentar, algum decrépito vem e diz algo como:

— Nossa, mas por que tu paraste de pintar? Eu gostava tanto dos teus quadros…

Ah, amigo, vai se fuder! Sério! Hipocrisia do caralho!

Estendem a mão quando convém e chutam quando ninguém está olhando. Essa ideia é mais genial ainda: estimular sem ajudar. Gênio! Isso cansa, cansa muito.

Tenho vontade de desistir, mas sei que será dor maior do que já sinto tentando fazer. Confesso que às vezes (muitas) me pergunto se eu não deveria ter ido embora quando me foi dada a oportunidade.

A Experiência de Quase Morte que vivenciei aos 17 anos, durante aquela cirurgia de apendicite quando tive a parada cardíaca, moldou quem sou, me deu uma escolha e eu escolhi. Mas ficou a dúvida: e se eu tivesse seguido por aquela sala de luz?

Eu olho para trás cheio de dúvidas e olho para frente num ambiente onde minhas conquistas, prêmios, escritos e ganhos parecem aquarela diluída em mares de lágrimas de estresse, dúvida e preconceito. Não quero fazer mais nada, nem pintar, nem escrever. Nada, nada.

Só quero ser grama e apreciar o passar desse tempo que não mais me encanta.

--

--

Henggo
Henggo

Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

Responses (1)