O processo de saída das redes sociais

Após quase 18 anos inserido nas redes sociais, concluí que não faziam mais sentido para a minha vida. E eis o meu processo…

Henggo
16 min readDec 7, 2020
O autor aparece olhando para o lado, onde um pássaro voa livre.

SE ESTE TEXTO SAIU, O MOTIVO É QUE NESTE DIA 07 DE DEZEMBRO DE 2020 SE COMPLETAM CINCO MESES DESDE QUE EU DESATIVEI MINHAS DUAS CONTAS NO INSTAGRAM. À primeira vista parece pouco tempo — e de fato eu acho que é. No entanto, quando parei para analisar o meu percurso nessa vida-internet, notei como esse foi um processo longo de ponderação que culminou na minha saída da última grande rede social que eu ainda possuía.

Eu me questionava desde 2016 se o conjunto de redes sociais onde eu estava fazia sentido para a minha vida. Naquela época, eu tinha tudo o que você pode supor: canal no YouTube com publicações constantes, três páginas no Facebook (uma pessoal, uma de escritor e uma de artista plástico), Instagram, Pinterest, Twitter, Linkedin. Isso sem contar o WhatsApp, o Snapchat e até redes sociais minúsculas onde eu praticamente publicava coisas para eu mesmo ver. Até a onda do TikTok eu inventei de surfar! No entanto, eu não me sentia bem. Entenda: hoje percebo que eu me deixei levar para todos esses lugares por vários motivos, como os amigos estarem por lá, a comodidade, o fator do “estar conectado às novidades”, a vontade de atrair público, talvez ganhar dinheiro, aparecer para o mundo, etc. E o motivo dessa sensação de estranheza era porque eu ignorei um sentimento que só depois de muita reflexão e análise eu consegui definir: eu nunca fui uma pessoa interessada na vida dos outros.

Desde criança, talvez pela minha criação, talvez por algum instinto, eu sempre me afastei de rodas de boatos e coisas do tipo. Lembro de que na escola, por exemplo, eu até escutava certas conversas, mas eu não as levava para casa, entende? Apesar de naquela época eu não ter maturidade para refletir sobre isso, maturidade para nomear esse sentimento, eu já tinha alguma noção de que os problemas das pessoas não eram meus e não me interessavam. E talvez por isso que um dos meus apelidos na escola era “Diário”, pois as pessoas me usavam para desabafar, veja só!

Talvez, apenas talvez, elas confiassem em mim por saberem que eu ouviria as demandas delas sem absorver aqueles problemas. E o principal: sem dar com a língua nos dentes.

Mas aí veio a adolescência. Sim, eu creio que continuei convicto de que a vida alheia não me interessava, apesar de na época, eu repito, não ter maturidade para reconhecer isso. No entanto, e você deve saber disso muito bem!, a adolescência é uma fase em que buscamos nos inserir em grupos, buscamos nossas tribos. Uma fase onde ainda não somos, estamos em busca de ser, mas não sabemos o que queremos ser. Uma estrada de transformações com tantas possibilidades que abrem brecha para muitas manipulações, suposições e abandonos de convicções.

A minha busca por aceitação teve início em meados de 2002, 2003, na forma do Fotolog, um blog onde você podia carregar uma imagem por dia, veja só! Lembro que na época, 14 anos nas costas, eu não sabia muito bem o que fazer com aquilo e o meu Fotolog desapareceu em poucas semanas. Foi um breve período de libertação para retornar anos depois com toda a força graças ao Orkut, a primeira rede social grande onde eu estive.

O Orkut, projetado pelo engenheiro turco Orkut Büyükkökten, ficou ativo de 2004 até 2014 e chegou a ter 29 milhões de usuários apenas no Brasil.

No final de 2004, aos 16 anos, eu recebi um convite para entrar no Orkut. Hoje, quando reflito sobre aquela época, percebo que já ali eu demonstrava indícios de que esse mundo de redes sociais não me atraia. Lembro-me de tentar (tentar muito!) me adequar às regras, sabe? Eu participava das comunidades, interagia com as pessoas, vivia mandando scraps (mensagens) para o pessoal, porém, havia algo de artificial nessas interações. Não, é claro que ali eu não tinha consciência sobre essa artificialidade. Pelo contrário: eu sentia algo errado, mas julgava que quem estava errado era eu, afinal, se todo mundo gostava, eu também tinha de gostar, não é?

Junto ao Orkut, também criei uma conta no concorrente do Fotolog, o Flogão, uma plataforma onde você publicava fotos. E se eu já achava o Orkut estranho, essa nova aventura batia de frente com algo que eu nunca gostei: exposição de intimidades, exposição da vida pessoal.

Eu via colegas do meu colégio que publicavam no Flogão fotos de tudo: aonde iam, quem namoravam, churrasco em casa, banho de piscina, cachorro, mãe, pai, roupas compradas… Claro que não era nada comparado ao que é hoje o Instagram ou o Facebook, ainda mais em uma época sem celulares ultra modernos, mas a premissa do site era a mesma: compartilhar a tua vida com teus amigos.

Uma estrada de transformações com tantas possibilidades que abrem brecha para muitas manipulações, suposições e abandonos de convicções.

E, sim, naquela época, ali antes de 2010, o termo “amigos” ainda fazia algum sentido nas redes sociais. De fato, por não serem sites tão difundidos no começo, só quem me seguia eram meus amigos ou pessoas com quem eu tinha algum tipo de contato. O máximo de interação que eu tinha com gente de fora da minha bolha de convívio eram as comunidades do Orkut. Mas sabe o que é interessante: mesmo assim, eu não tinha vontade nenhuma de compartilhar minha vida com as pessoas.

Eu lembro que no meu Flogão eu publicava mais fotos dos meus desenhos do que fotos de mim. E aqui vem um detalhe que norteou boa parcela do meu ciclo junto às redes sociais: eu me achava horroroso. A possibilidade de publicar uma fotografia minha não existia. E o bullying agressivo que eu sofria no colégio contribuiu de forma significativa para elevar essa necessidade de manter a privacidade. Guarde essa informação.

A escola acabou, chegou a fase do vestibular. O ano de 2005 marcou um pico de estresse e de ansiedade para mim, pois a pressão era grande e eu usava as redes sociais como válvula de escape. Quando fiz meu primeiro vestibular para a UFMA, passei para o curso de Direito e, adivinha?, o vestibular foi anulado. O baque foi tamanho que, quando a notícia sobre a anulação saiu, eu passei a madrugada em comunidades do Orkut do tipo “Odeio quando anulam as coisas” e “Vestibular é o inferno da minha vida”. A partir daí, o Orkut virou um invólucro de desabafos.

De repente, lá estava eu tomado por angústias e podia apenas ligar o computador, entrar em uma comunidade e vomitar alguns dos meus fardos. No entanto, como citei antes, a questão da privacidade estava no meu subconsciente e, ainda bem!, me impediu de “grandes exposições” de intimidades.

Até vir o Facebook…

Criado em 2004 pelo estadunidense Mark Zuckerberg, o Facebook se tornou um conglomerado de redes e de aplicativos que juntas já alcançam quase 2,5 bilhões de usuários.

Era 2009 quando o mundo Facebookdiano estendeu a mão para mim. Na universidade, todos só falavam sobre “Face, Face, Face” e eu quis ser seduzido também. O Facebook era diferente, mundo que prometia mais interação, mais proximidade. Fiz minha conta em uma tarde e na noite do mesmo dia todos os meus familiares, parentes, amigos e agregados estavam conectados comigo! E eles viam as minhas coisas, as poucas fotos que eu colocava. E falavam! E curtiam! E compartilhavam! Eram migalhas de popularidade dentro da bolha do meu próprio universo.

Então, vieram os grupos, as páginas das bandas que eu gostava, os vídeos… Vídeos? YouTube! Criei um canal onde eu legendava vídeos da banda The cranberries e, meu Deus!, 30, 50, 90 mil visualizações! Até eu receber um comunicado da banda dizendo que se eu não retirasse os vídeos, eles me processariam por questões autorais. Sério, receber uma notificação da minha banda preferida foi inesquecível! Larguei o YouTube por um tempo e foquei no Facebook. E como nessa época eu comecei a ter mais orgulho das ficções que escrevia, entrei no Wattpad, plataforma de escritores independentes, mas apenas como leitor, para sondar o terreno de lá. Paralelo a isso, para testar o quanto eu era “amado”, criei uma página de escritor no Facebook e publiquei uns contos.

Aqui, devemos fazer um exercício em relação à rede social do senhor Mark Zuckerberg. Para quem hoje pena para ter publicações que alcancem os seguidores, saiba que nem sempre foi assim. No começo do Facebook, o engajamento existia de fato. Você publicava, seja no perfil pessoal, seja em uma página profissional, e as pessoas recebiam o conteúdo. Foi nesse cenário que o Facebook atraiu tantas empresas, por exemplo. Eu não era uma empresa, mas também me vi atraído por isso, pois do nada tinham 50, 60 pessoas lendo e curtindo meus textos! Mas por que ficar apenas nas palavras e nos vídeos quando eu também podia investir em fotografias?

Vamos para o Instagram!

Projetado em 2010 pelo estadunidense Kevin Systrom e pelo brasileiro Mike Krieger, o Instagram tem como foco a publicação de fotografias e já tem mais de 1 bilhão de usuários.

Assim como era na época do Flogão, as minhas publicações no Instagram eram voltadas para os meus desenhos. No começo dessa rede, é importante salientar, não existia esse negócio de algoritmo, um robozinho que julga o que é relevante ou não para você. As publicações que você recebia no feed eram em ordem cronológica. Em outras palavras, você realmente via o que teus amigos publicavam, sem ordem de relevância.

Então, vamos contar: eu já tinha 2 páginas no Facebook, uma no Instagram, mantinha o Orkut por puro saudosismo e ainda possuía um canal no YouTube. Não publicava fotos minhas, mas a minha rotina de publicações tinha a intensidade de um blog literário. Todos os dias eu inventava alguma coisa, afinal, eu queria aquela “popularidade”, algo que eu nunca tive na escola ou na universidade. Nas redes, eu podia ser apenas o que eu quisesse mostrar para o público.

Em meados de 2014, já formado em Jornalismo e com anos de trabalho em redações de jornais, eu me senti confiante para publicar meus textos em uma plataforma literária de verdade. Foi assim que surgiu o pseudônimo Henggo em um novo perfil no Wattpad. E aqui temos uma mudança: à busca adolescente por aceitação se somou a necessidade desenfreada por exposição com o objetivo de ter mais e mais leitores.

Nessa época, o Facebook já havia começado a minguar a entrega de publicações e impunha publicações pagas para quem quisesse alcançar mais pessoas. Comprado pelo Zuckerberg, o Instagram sofreu mudanças e o algoritmo mudou a dinâmica da plataforma para apostar na relevância das imagens a partir do número de curtidas e de comentários. O YouTube apostou ainda mais nesse conceito e também começava a explodir a níveis inimagináveis até ali. E eu embarquei de cabeça nisso tudo.

Formulada em 2005 pelos estadunidenses Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, ex-funcionários do PayPal, a plataforma YouTube alcança cerca de 2 bilhões de usuários mensalmente.

Publicava no Wattpad, jogava o link em um grupo no Facebook, copiava um trecho do conto na minha página e pagava para ter mais relevância. No Instagram, excluí minhas fotos de desenhos e comecei a fazer publicações com trechos dos meus textos. E por que não fazer um YouTube literário com resenhas de livros que eu lia? Vamos lá!

Só havia um problema: com tantas redes sociais e com a vida real transcorrendo, que tempo eu tinha pra ler? De madrugada! Claro! É óbvio! Dormir pra quê? Eu precisava de relevância, eu precisava de conteúdo, eu precisava de “popularidade”! Sim, meu Deus, a conta era simples: mais pessoas veriam minhas coisas, mais leitores eu teria, mais o Henggo cresceria.

à busca adolescente por aceitação se somou a necessidade desenfreada por exposição com o objetivo de ter mais e mais leitores.

Então, eu embarquei em produção de vídeos, fiz cursos — até cursos malucos de “crescimento no YouTube”! — , comprei livros sobre divulgação, apostilas… Veio a palavra influencer. Que chique, que mágico trabalhar “com o que gosta” e “ganhar dinheiro com a internet”. Era deslumbrante! Só não diziam e dizem um ponto: se você quer entrar nisso, há um preço a se pagar. No meu caso, foi decepção.

Em 2014 eu fiz um novo vestibular (meu primeiro e último ENEM, graças a Deus!) e passei para Artes Plásticas. Assim, em 2015, já envolto pela loucura de influencer, eu aproveitei minhas habilidades artísticas e… adivinha? Fiz mais uma página de artista plástico no Facebook e mais 2 (sim, duas!) no Instagram: uma para os quadros que eu pintava e outra para o personagem “Henggoinho”, uma tentativa de fazer charges para aumentar mais ainda meu poder de influencer.

Dividir para conquistar ou dividir para se matar?

O meu canal no YouTube virou um emaranhado de resenhas e também de vídeos com a produção dos quadros, afinal, eu precisava vender esses quadros, não? E, vejam só!, o Instagram começou a criar páginas profissionais! E você podia ter uma lojinha no Facebook! Sim, eu fiz tudo. Publicações pagas, lojinhas, catálogo, conta oficial na página de Criador de Conteúdo. Fiz cursos específicos para Marketing Digital, cursos para melhorar o alcance no Facebook, cursos de fotografia para o Instagram. E olha só esse aplicativo que coloca efeitos nas fotos… Vamos baixar! Hum, as pessoas estão falando sobre artista tal… Vamos pintar o artista tal! As pessoas estão falando sobre tal notícia? Vamos escrever sobre tal notícia!

Sim, dividir para conquistar!

Eu não lia mais, é claro. Como ler? Eu estuda, trabalhava e ainda era influencer. Que tempo eu tinha? Nenhum. A primeira vítima, assim, foi o canal do YouTube. A primeira de muitas…

A mudança efetiva começou em 2016 e se consolidou em 2017. Naquele ano, eu fiz uma cirurgia grande de ginecomastia (retirada das glândulas mamárias) e passei cinco meses em uma cama sem me mover direito. Portanto, como o meu médico já tinha me alertado para esse período de convalescência, anunciei aos meus seguidores e desativei minhas contas do Facebook e do Instagram.

Ah, o medo de perder seguidores... A agonia de não publicar por tanto tempo… Por sorte, como sempre fui muito organizado com meus livros, os livros no Wattpad não sofreram com isso porque sempre finalizei as obras antes de publicar. Assim, um primo ficou responsável por fazer isso por mim. Mas as outras redes, mais imediatas, mais sugadoras de atualizações diárias, as outras não tiveram muito jeito.

Seis meses depois, reativei tudo. O coração estava em êxtase. Quantas pessoas teriam sentido minha falta? Quantas mensagens de “nossa, onde você estava?” eu receberia? Em uma das minhas páginas eu tinha 4 mil seguidores. Na outra, a de artista plástico, eu tinha 500. No Instagram, 5 mil se eu somasse os três perfis. Abri o Facebook e o Instagram…

Vê-se o desenho de um menino triste sentado em um trono , coroa de rei na cabeça, logomarcas de várias redes sociais ao redor

E nada!

Creio que foi um baque, claro. Mas foi também um puxão de orelha, uma chacoalhada da vida. A publicação que havia feito no Facebook, não-paga, para dizer que eu ficaria um tempo longe teve meras 20 visualizações. Quando eu pagava, a rede social me entrega a falsa sensação de relevância ao me dar 500, 700 curtidas. Aquelas meras 20 eram um chute para que eu caísse na real.

E outro ponto interessante era que os meus amigos, aqueles dos perfis pessoais, principalmente os que vieram me visitar em casa e os que me telefonaram e mandaram mensagens, eles também não haviam notado minha saída temporária do Facebook e do Instagram. Uma delas chegou a abrir a boca e gritar um “É sério?!” quando eu disse que havia passado meses sem essas redes sociais. Semanas depois, desconfiado de que o social das redes nada tinha de social, parei para refletir, afinal, qual era o meu objetivo com aquilo tudo. Cheguei à conclusão de que era profissional. Sempre foi. Nunca me expus e não queria mudar isso.

Dos perfis pessoais para os perfis profissionais

Abri meu perfil pessoal do Facebook, vi meus 1500 “amigos” e fiz um trabalho de ver quem era ou não relevante para a minha vida ou só estava ali por ser mero conhecido da internet, sugestão do próprio Facebook ou “sigo de volta”. Desfiz tantas amizades que a plataforma me mandou uma mensagem perguntando o que estava acontecendo. Ao fim do processo, fiquei com 215 pessoas no perfil pessoal do Facebook. Depois, virei para o Instagram e fiz a mesma coisa: fiquei com menos de 50. Resultado: em 2018, o Facebook, como se julgasse que eu não queria ser encontrado, parou de entregar minhas publicações do perfil pessoal até para os meus melhores amigos, que curtiam todas as minhas fotos e conversam bastante comigo. Eu senti como se a plataforma tivesse concluído que eu não fazia mais parte do “jogo”.

Quanto mais eu refletia, mais eu via o quanto aquilo tudo era irrelevante para mim. E o engraçado é que, após a cirurgia, eu finalmente estava em paz com o meu corpo, feliz, e esse sentimento não harmonizava mais com o Instagram, por exemplo. Antes do processo cirúrgico, eu via as fotos “perfeitas” das pessoas e aquilo alimentava meus medos, alimentava minha baixa autoestima. Depois, finalmente com um corpo em que eu me sentia bem, não tinha mais vontade alguma de olhar essas fotos, aqueles caras cheios de músculos em praia idílicas ou piscinas no alto de prédios.

De repente, depois de tantos e tantos anos, eu queria mais tempo pra mim. Tempo real. E isso foi uma resolução em relação aos perfis pessoais. Se antes eu não costumava publicar fotos minhas, agora isso diminuiu ainda mais. Contudo, ainda havia a questão profissional. O objetivo de conquistar público para os meus livros e para as pinturas permanecia intacto. Desse modo, excluí o perfil do Henggoinho e foquei apenas nos outros dois perfis do Instagram (transformei o perfil pessoal em um perfil de escritor) e mesclei as páginas do Facebook.

Se eu dissesse que não funcionou, eu seria hipócrita. Funcionou, sim. Eu vendi quadros, ganhei muitos seguidores, principalmente no Instagram, e até me coloquei como modelo para as foto-performances que eu fazia baseadas nos livros. Sim, funcionou. Não vou negar. Mas havia um ponto que não se encaixava mais: eu não era mais o mesmo.

Agora, eu me incomodava com aquelas fotos “perfeitas”. No Wattpad, eu passei a notar como os escritores, em sua maioria adolescentes entre 13 e 20 anos, eram influenciados de tal forma pelas redes sociais dos colegas, todos publicando vantagens e glórias, que desistiam da própria escrita. Era e é triste. No Facebook e no WhatsApp, imersos na loucura das eleições presidenciais de 2018, eu me vi rodeado por ódio e por opiniões tresloucadas. Alguma conexão com a atualidade, será?

Enfim, eu não fazia mais parte daquilo!

Dos perfis profissionais de volta à realidade

Não gosto de atribuir as coisas à idade, mas é inevitável não pensar na coincidência que foi eu chegar aos 30 anos e começar a ver o mundo com ainda mais serenidade. Eu não tinha mais paciência para briguinhas em grupos de Facebook e menos paciência ainda para discussões políticas sectárias, sem abertura para debate. Eu olhava para alguns perfis no Instagram, muitos onde as pessoas publicavam apenas fotos dos peitorais ou meninas mostrando maquiagens, todos sorridentes, e pensava: “Essas pessoas estão realmente felizes?”

O incômodo apenas crescia. Nunca dado a fotos pessoais, eu via as pessoas cada vez mais mostrando intimidades, principalmente com a ascensão do SnapChat e posteriormente do Stories no Instagram e do Status do WhatsApp, e me sentia estranho. E aqui voltamos ao que eu disse no começo deste artigo: a vida íntima das pessoas, ainda mais de pessoas fora do meu círculo de contato, não me interessa. Por que fulano está publicando fotos em uma festa com os amigos, meu Deus? E vídeos, e as piadas, e as coisas que eles falam? Sério que ele parou tudo para tirar uma foto que sumirá em 24 horas? Pra quê? Pra que fulana está deitada na cama falando besteiras? O que isso munda na minha vida? O que muda na minha vida ver fulano na praia com os amigos?

Entende o incômodo? Você não acha isso estranho?

Logo, parei de ver o Staus do WhatsApp e comecei a apagar todas as conversas. A tela inicial do meu WhatsApp é totalmente limpa desde então. Grupos eu nunca gostei. Saí do grupo da família exatos 40 segundos após terem criado. Acho que já previa o que seria. Excluí redes sociais avulsas que ainda tinha (como Pinterest, Flickr e Twitter) e foquei cada vez mais no campo profissional. Mesmo assim, excluí o Facebook no início de 2020.

No entanto, ainda havia um atrito, uma corrente. Ainda imerso na tentativa de publicizar minhas habilidades (literária e artística), eu investi em vídeos para o Instagram de declamação de poesias e leitura narrada de trechos de alguns livros do Wattpad e clássicos da literatura. E comecei até a fazer vídeos meus falando sobre assuntos do dia-a-dia, veja só!

Foram o suspiro final.

Quando a pandemia de Covid-19 se alastrou, ela veio para mim como a pá de terra definitiva para essa longa jornada. Ao ver o desespero das pessoas, foi inevitável não me deixar levar pelo mesmo sentimento de incerteza e de desesperança. Eu moro com a minha mãe, idosa, grupo de risco, e isso foi um fator a mais de angústia, principalmente ao vê-la imersa no noticiário catastrófico sobre a doença. Eu precisa tirar ela disso e também manter a minha mente ativa, focada em outros lugares que não os gráficos de mortes e de infectados.

Os meses de isolamento foram voltados para leitura e cursos de aquarela, pintura digital e o objetivo de fazer a minha mãe assistir a filmes, lives, shows, espetáculos teatrais, tudo que a tirasse um pouco desse mundo de notícias terríveis. Porém, para conseguir isso tudo, eu precisava de mais tempo.

Olhei para a minha vida e, dessa vez sem dor no coração, excluí o que não me fazia mais falta.

Sair das redes sociais foi um presente de 2020 para mim. Não foi fácil e confesso que até hoje, meses depois, de vez em quando ainda me vêm à mente ideias de publicações, um sentimento de “e se eu voltar e fizer só tal coisa?”. Eu apenas sorrio e penso em outras coisas. As chances de voltar para as redes sociais são pequenas e, a cada dia, a cada semana sem elas, essas vozes ficam mais e mais diluídas.

Há meses o meu celular fica na sala quando vou dormir. Não há mais necessidade de tê-lo a todo o momento grudado ao meu corpo. E nunca dormi tão bem, nunca li tanto, nunca estudei tanto, nunca pintei tanto. Voltei às aquarelas, tenho escrito todos os dias; séries, filmes e podcasts não ficam mais em listas intermináveis. Na minha rotina atual, à partir das 18 horas eu me sento para assistir a alguma coisa sem ficar de olho na tela do celular, o dedo indo e voltando para responder a publicações.

Sim, eu ainda tenho o Wattpad, o Filmow e aqui, o Medium — e o WhatsApp, impossível ficar sem ele -, contudo, a relação com essas redes se tornou mais saudável e serena. As três primeiras, onde sou mais ativo, são mais tranquilas e não têm aquele sentimento de “perfeição” e de “lacração” que há no Instagram, Facebook, Twitter, etc. Ou, talvez, eu esteja tão amadurecido que esses conteúdos nem chegam mais aos meus olhos. O WhatsApp é algo pontual. Chegou notificação? Parabéns. Eu só vou olhar quando eu tive rum tempo livre.

Pois, sim, eu escolhi ter tempo livre.

Dezoito anos depois, eu finalmente estou com os pés na realidade do mundo e posso ser eu para eu mesmo curtir.

Pintura de um homem na beira de uma praia. As ondas quebram aos seus pés enquanto ele observa um barco no horizonte.

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Henggo
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Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

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