Por que você prefere escrever sobre os países dos outros?
Com maioria de livros voltados para ambientes estrangeiros, os autores do Wattpad contribuem para o “complexo de vira latas”.
ABRA O WATTPAD E TENHA CERTEZA: A QUANTIDADE DE LIVROS QUE SE PASSAM EM PAÍSES ESTRANGEIROS É A MAIORIA. O pantanal mato-grossense, as ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro, as belezas de Minas Gerais, o interior do sertão cearense? Esqueça! Esses são apenas 5% das obras. O Wattpad Brasil, reitero, está cheio de escritores que enaltecem os países dos outros e, na tentativa de escreverem sobre esses lugares com que tanto sonham, moldam obras de pouca ambientação, com personagens de nomes estrangeiros e com descrições genéricas retiradas de filmes e de fotos da internet.
E note que eu não falo que as narrativas são ruins. Não tem a ver com qualidade. Tem a ver, sim, com a falta de substância, de ambientação; a falta de elementos daquele lugar que só podem ser traduzidos em palavras por alguém que mora ou que ao menos já pisou ali. Se tua história se passa em uma Nova York que você só vê por filmes e pela internet, esqueça: você não vai traduzir os pormenores da cidade. Você só está repetindo em teu texto uma visão midiática que nos é passada.
Você está sendo massa de manobra.
Sabe o que torna “Harry Potter” tão rico? O fato da Rowling ter trazido pormenores de lugares onde ela esteve. Ela CONHECE esses lugares e adaptou cada um deles para o universo mágico dela. Ela conhece o clima, conhece as praças, conhece os “temperos” das pessoas. Ela escreve sobre paisagens britânicas porque ela está inserida naquele contexto. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Reitero: fotografias e vídeos são recortes da realidade trazidos pelo olhar de outras pessoas.
Os livros são empobrecidos em suas narrativas. Personagens ótimos, tramas instigantes, beats dos capítulos bem defendidos, mapa das fábulas dos personagens bem ajustados, MAS pecam nos detalhes. E não, ambientação não é só descrever lugares em minúcias. Ambientação, acima de tudo, é sentir a essência daquele lugar, as pessoas, o clima, os sabores, a poesia que só alguém que vivencia ou vivenciou aquilo consegue sentir. Isso não é transmitido por uma tela.
É por isso que os “livros escritos por brasileiros que se passam em outros países” NÃO são ruins, mas são FALHOS.
Se você anda aí reclamando do governo (com razão), mas tuas narrativas se passam bem longe do Brasil, há algo de hipocrisia aí, não? Sim, são ambientes diferentes. Contudo, no resumo da ópera, você está gritando e lutando pela melhoria de um país que, pelo visto, você não valoriza muito.
Há histórias aqui. Há histórias aí, na tua cidade, na tua casa. Mergulhe nessas histórias, pesquise, converse com os mais velhos… Exume a história dos esquecidos. Escrever é um ato político. E, sejamos sensatos, o cenário atual precisa de um amor pelo Brasil que consiga superar o fanatismo e as ideologias esdrúxulas.
Se tem uma coisa que me orgulho é de dizer que todos os meus livros, mesmo “O Bailarino de Arcéh”, uma obra de fantasia, todos se passam aqui no Maranhão. Por que? Porque é o único lugar que eu conheço, que eu pisei, que eu sei dos problemas. É o único lugar em que olho para as pessoas e eu me vejo refletido naqueles olhares.
Eu faço isso para engrandecer São Luís, o Maranhão, o Brasil. Mas, acima disso, para me valorizar.
Valorize-se!
A atitude de escrever sobre o Brasil é um ato de reafirmação de nossa cultura; um ato de resistência.
E aqui nos temos de voltar para um lado mais sociológico, histórico, pois o Brasil foi e permanece colônia. Nós continuamos com esse sentimento de apego ao externo, o que muitos chamam de “complexo de vira-lata”. No final das contas, as pessoas que recebem essa influência foram arrebatadas por ela porque não houve um processo interno de valorização cultural — interno entenda aqui por um lado da política educacional brasileira. Diferente daqui, por exemplo, a educação escolar dos Estados Unidos é toda voltada para os Estados Unidos. Entende como o problema é complexo? A atitude de escrever sobre o Brasil é um ato de reafirmação de nossa cultura; um ato de resistência.
Resista!