Qual o seu método de escrita criativa?

Quando a busca por métodos de escrita criativa se torna uma dor de cabeça está na hora de (tentar) fazer as coisas de outro jeito.

Henggo
5 min readJan 28, 2024
Vê-se um desenho dos escritores Neil Gaiman, Stephen King e Chuck Palahniuk vestidos como sacerdotes de uma igreja.
“Neil Gaiman, Stephen King & Chuck Palahniuk”, por Henggo

UMA HORA VOCÊ TEM QUE PARAR E ESCREVER. Há pessoas que amam citar os métodos de escrita do Chuck Palahniuk, Stephen King, David Lodge, Neil Gaiman e por aí vai. São importantes, é claro. Grandes mestres que demonstram na prática quais técnicas funcionaram ao longo de suas carreiras de sucesso. O problema, percebo, é que muitas (muitas!) pessoas mergulham de tal modo nas técnicas desses autores, levando-as “à ferro e fogo”, que elas simplesmente não escrevem. Ou tentam escrever conforme o que os manuais apregoam e entram em bloqueio criativo.

Chega um momento do ofício da escrita em que você deve parar, respirar fundo e pensar: “Ok, o que dessas técnicas aqui faz sentido na minha vida?” E aí você faz isso com cada autor que ensina técnica narrativa, extraindo de cada um o que faz sentido no teu contexto e te deixa confortável.

Lembro que eu tinha 16 anos quando o “Sobre a escrita”, do Stephen King, caiu no meu colo. E, sem a maturidade necessária, entrei na onda de “se ele escreve 3 mil palavras por dia e teve sucesso, esse é o meu objetivo também”. Resultado: bloqueio criativo. Simples assim. Por quê? Porque esse é um método que funciona no contexto do King e de outras pessoas, não no meu. Hoje eu consigo participar do NanoWrimo e escrever mais de 50 mil palavras em menos de um mês porque eu moldei uma espécie de “método Henggo de escrita criativa”, uma colcha de retalhos de vários fragmentos de métodos alheios e de técnicas jornalísticas que servem para mim.

E é o que você precisa fazer: costurar tua própria colcha de retalhos.

Esses dias eu percebi que a palavra que mais uso no livro “Wattpad: guia de sobrevivência” é estude. Porque é com o estudo que você irá adquirir uma gama de conhecimentos e poderá, lá na frente, moldar o teu método de escrita. O mais interessante é que não é algo que você vai elaborar, como um manual físico, palpável. Não. Digo por experiência própria que esse conhecimento se torna automático. Por causa disso é que, já há alguns anos, eu tenho uma ideia e ela se molda naturalmente ao formato da minha técnica pessoal de escrita.

Esse é o ponto que eu desejo que você alcance.

Não quero soar polêmico, mas se você se acorrentar a esses métodos de escrita como se fossem a tua tábua de salvação, a única e definitiva tábua de salvação, isso vai virar uma religião.

A questão da religião, que ironicamente eu descobri aos 13 anos quando estava na Catequese, é que elas são claramente uma porta de entrada rumo à grandiosidade da fé. Não há dúvidas quanto a isso. O problema é que a maioria das pessoas toma a religião como um ponto de chegada, não como o porto de saída rumo ao oceano de possibilidades. E nessa “chegada” é que temos muitos líderes religiosos que mantém seus seguidores como verdadeiros rebanhos, envoltos por cercas de suas regras, preceitos e preconceitos. E as pessoas ficam dentro desse “cercado”, às vezes desconfortáveis, mas sem coragem de sair dali, afinal, não dizem que ali é o lugar certo?

Calma, calma. Sem pedras. Baixe a mão. Certo. Amigo, amigo…

Não estou dizendo que o King, ou o Gaiman, fizeram um “Igreja da Causa Perdida dos Escritores do Novo Milênio”. Não é isso! A comparação que faço aqui entre a busca incessante por técnicas narrativas e a busca por Deus é que ambas podem te impedir de descobrir o teu próprio jeito de lidar com aquilo — um jeito que pode ser mais confortável, livre e sem a burocracia do “você é obrigada a fazer X, Y, Z se quiser escrever/encontrar Deus”.

Ok, vamos voltar às técnicas narrativas? É melhor. Baixe essa pedra! Que teimosia… Hum! Respire. Um gole d’água. Podemos?

Tome os livros de escrita criativa como introduções, não como conclusões. Faça os cursos desses autores e autoras, sugue o máximo que puder, pergunte, mergulhe, tente. Apenas não tome isso como a “técnica ultra master X-1000” que vai te fazer escrever três livros por ano. Se não for algo que te deixe confortável, uma hora, cedo ou tarde, você vai abandonar isso. E eu te garanto que vai. Ninguém consegue passar a vida inteira saudável fazendo algo de que não goste. Foi nessa que uma vez um escritor me disse:

— Ah, mas se eu usar uma técnica que me desagrade mas dê dinheiro, eu continuo com ela e foda-se!

É, amigo, e foda-se a tua saúde mental, né? Se você passar muito tempo forçando a tua mente a fazer algo que fere quem você é, isso terá consequências. Pode demorar e, sim, você pode ganhar rios de dinheiro, mas a que custo? Ao custo de a cada vez que precisar escrever um novo livro você começar a chorar, como eu já vi acontecer com uma colega escritora? Ao custo de perder o prazer de escrever? De ver a página em branco e cair no desespero? De começar a odiar o teu ofício da escrita? Cuidado com o que você deseja.

Encontre o teu método de escrita pessoal. Não entre na onda de pessoas que inflam o peito para dizer que “Se o Palahniuk faz ABC, só assim que é certo!”. Mentira. Pode dar certo e pode não dar. E tudo bem. Se você ler um desses grandes livros de técnicas de escrita criativa e não se sentir confortável, tá tudo certo, o mundo não vai acabar e aquele Cavaleiro do Apocalipse chegando é apenas a tua mente com o velho autoboicote. Dê o dedo do meio para ele e desvie o olhar. Você pega, testa o que aquele autor indica, vê o que daquilo te deixa à vontade e descarta o resto. E aí vai estudando outros métodos, testando outras formas de escrita e aos poucos vai criando o teu método próprio.

Isso vem com tempo e, olha aí a palavrinha mágica, estudo.

Sério: não se importe muito com o que as pessoas dizem. No final das contas, no fechar das cortinas, te digo que é bem provável que aquela pessoa cheia de citações sobre técnicas dos outros não siga nem metade do que ela pensa ser “a regra”.

Crie tuas próprias regras e eu garanto que a escrita vai te abraçar.

--

--

Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo