Top 10 minhas dificuldades na escrita

A escrita tem dificuldades que muitas vezes ficam escondidas por trás da aparência (quase) divina do fazer artístico

Henggo
6 min readMay 24, 2024
Vê-se a imagem de um homem careca, de barba curta, mergulhado em uma piscina onde milhares de livros estão boiando.
Imagem criada com o Midjourney.

A JORNADA DE UM ESCRITOR ENVOLVE MUITAS BONANÇAS, SEM DÚVIDA. Moldar mundos, vidas, diálogos, ambientações, intrigas, esperanças, tudo me impulsiona a prosseguir em um ritmo quase que industrial. Porém, muitas pessoas tendem a ver apenas o lado positivo desse ofício. Muitas, inclusive, ainda vivem com aquela imagem idílica do escritor que recebe um raio de inspiração a cada texto que escreve.

Não, não é assim que funciona.

Escrever profissionalmente envolve muito trabalho, estudo e persistência. Por trás do tempero quase divino, nos bastidores da modelagem de um livro, há angústias, dúvidas, vontade de desistir, olhares enviesados de quem te acha louco e/ou vagabundo, desvalorização e toda sorte de questões que a beleza de uma capa, ou os elogios dos leitores, tende a mascarar.

Decidi, portanto, retirar essa máscara e refletir sobre as minhas maiores dificuldades. O objetivo é mostrar que estamos todos no mesmo barco.

10) PRIMEIRA PESSOA

Imergir na escrita de um livro com narrador-personagem sempre foi complicado para mim. Talvez seja algo de uma personalidade perfeccionista, meio controladora, que me faz amar o narrador onipresente que sabe de tudo e tem controle sobre cada filigrana de vírgula. O fato é que a perspectiva de focar apenas em uma cabeça, um personagem, sem saber o que os demais estão fazendo, como pretendem interagir, é algo que me dá certa agonia. Faço pelo desafio, mas não exatamente por preferência;

9) MÚSICA

Coleciono trilhas sonoras, então, é claro que isso iria influenciar a escrita. Em todos os livros eu busco criar um ambiente sonoro que me ajude, porém, esse processo às vezes demora demais. O problema é que quanto mais minha coleção de trilhas aumenta, pior fica esse processo. Por exemplo, no livro que terminei de escrever em março deste ano (“O Talento da Carne”, livro de terror) eu rodei pela trilha de “A Filha do Rei do Pântano”, segui para “A Vila”, desemboquei em “Cisne Negro” e, no final das contas, acabei (de novo!) naquela que virou minha “trilha padrão para livros de terror”: “O Iluminado”. Neste maio de 2024, estou imerso em “Uma Vida com Rauã”, uma obra dramática jovem adulta, e tenho consciência de que a escrita, apesar de fluir, ainda não deslanchou pela falta de um ambiente musical. Perdoe-me, Rauã;

8) PESSOAS

Lidar com os olhares das pessoas que acham que você é um vagabundo que está brincando enquanto fica na frente no computador é irritante. Muito irritante. O curioso é que eu venho de uma família formada majoritariamente por educadores e são exatamente os professores, pedagogos e coordenadores escolares que me olham torto. De fato, a única pessoa no meu entorno que tem os livros como base de entretenimento é a minha mãe — e isso diz muito sobre o motivo de eu ser escritor (valeu, mãe!). Outra bizarrice é que escrevo desde criança, tive meu primeiro prêmio em 2011, mais de 40 obras publicadas, escrevo em tudo que é lugar — de velórios a filas do supermercado — e mesmo assim me veem dessa forma torta. Talvez o fato de eu não ficar exibindo feitos em redes sociais e me recusar a lançar livros físicos seja uma explicação para isso, né? Bom, vou ver se arranjo alguns milhares de reais para auto publicação e depois faço umas dancinhas no TikTok;

7) IDEIAS

Eu vivo tendo ideias e transformando-as em roteiros. Tenho uma pasta lotada deles. Mas, se eu não tomar cuidado, fico tão mergulhado nisso que esqueço de desenvolver essas ideias. Vou te confessar: amo fazer roteiros, planejar, moldar, construir, mas as etapas posteriores da escrita (escrever, reescrever, revisar, pintar a capa, registrar, publicar) não me dão tanto prazer. Estranho, não? Tendo a crer que minha época como repórter de rua tem influência nisso. Quando você, todos os dias, deve fazer novas reportagens, buscar por novos personagens, essa ânsia por novidade fica em nós. Por mais que eu me controle, acabo trazendo isso para a escrita;

6) AUTOCENSURA

Hoje em dia, percebo, muitas pessoas andam se ofendendo pelas coisas mais banais. Por isso, como tenho uma índole provocadora, eu me flagro nessa autocensura. Coleciono tantas pedras que já lançaram contra mim que eu poderia abrir uma pedreira — e, certamente, ganharia mais dinheiro do que sendo escritor. Certa vez, apenas por falar sobre a questão do estupro no Brasil e do índice alarmante de feminicídios, um cara ameaçou até me bater. Sentindo-se ofendidíssimo, ele afirmou que não era estuprador e que “só faço brincadeiras pesadas porque as mulheres sorriem”. Peculiar, não?;

5) DINHEIRO

Ser um escritor independente, infelizmente, traz essa questão financeira como um fantasma que nos ronda. Eu me seguro muito, por exemplo, para não sucumbir e mergulhar em livros bem clichês apelativos, que sei que venderão. Mas é complicado. Lembra que ali em cima falei sobre “mais de 40 livros publicados”? Não significa bosta nenhuma — perdão pelo palavreado chulo. Mas é sério: eu escrevo porque amo, simples assim. Se não fossem os trabalhos eventuais como freelancer e um ou outro quadro que vendo de vez em quando, não sei como seria. Pois é, essa é a realidade mágica de ser um escritor independente que decide escrever sobre assuntos sérios que a maioria não quer ler. Eu me sinto idiota. Com qual frequência? A todo momento;

4) SILÊNCIO

Os supracitados anos como repórter me ensinaram a escrever em qualquer lugar. Porém, o silêncio é sempre bem-vindo. Como não moro no alto de uma montanha isolada do mundo, a busca pelo silêncio é uma constante. E lembra que falei no item 8 sobre as PESSOAS? Elas também aparecem aqui, é claro. Muitas pessoas, por acharem que estou apenas “brincando no computador” e “escrevendo besteiras”, como certa vez me disseram, não têm pudor nenhum em chegar na minha casa a qualquer momento, fazendo barulho, pedindo coisas. E como sou alguém que não tem medo de dizer não a ninguém, eu viro um vagabundo arrogante;

3) PROCRASTINAÇÃO

Quem nunca se sentou para escrever e, duas horas depois, não escreveu nenhuma linha porque estava em outro mundo? Como sou muito ligado a música, não é raro minha mente vagar para esse lado. E quando você coleciona trilhas sonoras, aí piora tudo… Chego a uma parte do roteiro em que a história precisa de mais atenção, invento de “escutar uma musiquinha para dar uma relaxada”, e três horas depois estou deitado no chão alucinando com a trilha de Interestelar. Sim, caso verídico;

2) MILITÂNCIA

Por ter sofrido bullying e ser LGBTQIA+, à medida que cresci eu comecei a sair do casulo e descobrir minha voz. Portanto, decidi falar o que penso e não ter medo de me expressar. É o que chamo de “ligar o foda-se”. Não, não pedirei desculpa pela palavra. É essa mesmo. Contudo, por mais interessante que isso seja, se eu não impor limites meus textos se tornam quase panfletários. Sabe quando você pega um livro onde o personagem embarca em devaneios e elocubrações socioculturais a cada página? Preciso tomar cuidado com isso. Por sorte, se tem algo que aprendi nesses mais de 20 anos escrevendo é que a verdadeira escrita é a reescrita. Se não fosse o ato de reescrever, meus livros seriam grandes manifestos políticos chatíssimos;

1) DORES

Se tem algo que não combina com um escritor é a boa e velha L.E.R. — Lesão por Esforço Repetitivo. Tenho na mão esquerda e, a depender da quantidade de palavras que eu escreva em um dia, a coisa fica feia. Essa é minha maior dificuldade, é certo. Com um bom roteiro e um bom ambiente musical, escrevo fácil 6, 7 mil palavras por dia. Porém, a dor depois dessa graça não é nada engraçada. Por exemplo, no NanoWrimo de 2021, desafio de escrever no mínimo 50 mil palavras durante os 30 dias de novembro, eu me empolguei e cheguei a 17 mil palavras em um dia. E aí, passeis duas semanas com a mão no gelo. Não, não faça isso. Devagar e sempre evita muitas dores. Se não fosse a L.E.R., tenho certeza de que muitos dos roteiros que tenho guardado já teriam ganhado vida.

E por aí? Quais as maiores dificuldades para exercer o ofício da escrita?

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Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

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