Uma igreja que ensine a amar é um sonho?

Tomadas por interesses individuais, as religiões se tornaram refúgios que mais criam atritos do que constroem pontes.

Henggo
4 min readJan 16, 2021
#pratodosverem | Descrição da imagem: pintura em aquarela retratando o autor. Henggo está de lado, as mãos prostradas em oração, olhos fechados e com um lenço em torno do pescoço onde se lê a palavra “silêncio”.

DONA GARDÊNIA (NOME FICTÍCIO), INTEGRANTE DA LEGIÃO DE MARIA DE UMA IGREJA EM SÃO LUÍS, MARANHÃO, ENTROU EM DEPRESSÃO DURANTE A ÉPOCA DE QUARENTENA EM 2020. O motivo é que, com a igreja fechada, ela ficou sem ter o que fazer. “Eu vivia para a igreja todos os dias. Era lá que eu ia para me encontrar com Deus e com minha Nossa Senhora. E agora?”, questionou em uma videochamada. “De repente, eu me vi largada, abandonada.” Perguntei se ela não rezava em casa, ao que dona Gardênia foi categórica: “Eu só sinto Deus na casa dele.”

Uma das coisas que eu acho mais estranha ao pensar sobre a sociedade é ver a atitude das pessoas como dona Gardênia em relação à religião. Isso porque muitas, por mais que se digam religiosas e de fé, têm a crença, estranha ao meu ver, de buscarem por Deus apenas nas igrejas sem perceberem que Deus está dentro de nós. E sim, por mais que isso pareça uma sessão de autoajuda com alguém que chegará a conclusão de que Ah, sim, Deus está dentro de você! Diga amém!, algo tão dito, o fato é que poucos têm de fato essa noção — e o sofrimento advindo disso é muito grande. E se pensarmos na pandemia de Covid-19, a onda da doença veio indicar isso de uma forma muito cruel.

No momento em que as pessoas tomam a igreja como a única morada de Deus, pensamento ao qual foram levadas a acreditar durante séculos e séculos, e no momento em que essas igrejas acabam fechadas, o resultado é um sentimento generalizado de eu não consigo mais encontrar Deus porque a morada de Deus está fechada. Tal equívoco, então, desemboca em descrédito, desespero, angústia, pensamentos de que houve um abandono divino, castigo. E o detalhe é que Deus está ali, ao lado da pessoa, com a mão no ombro dela para confortar nestes tempos de tantas incertezas que estamos vivendo. No entanto, a pessoa não sente, não olha, não percebe esse toque.

Aqui, precisamos pensar no perigo que isso causa e sempre causou, pois é secular o fato de a igreja tomar essa questão de ser a morada de Deus como um fator de poder e mesmo de domínio diante da sociedade.

É claro que a religião tem um papel importantíssimo de controle social. Muitas das vezes as pessoas não fazem o que querem porque tem todo esse sentimento de inferno, de pecado, de que Deus está olhando; sentimento de que a igreja está olhando. As religiões têm esse papel de moralizar e de indicar o que é ético, o que é amoral, o que imoral ou não. Então, nesse ponto, a igreja é crucial para o equilíbrio social. Não podemos ignorar isso. Porém, ao mesmo tempo a gente percebe como as igrejas se esqueceram de traduzir para as pessoas o fato de que elas são apenas um caminho até Deus; um dos milhares de caminhos até Deus, mas não o único. Esse é o ponto essencial.

As religiões, principalmente quando são individualizadas nas figuras de alguns padres, pastores, monges, sacerdotes, etc, se moldaram como porta vozes de Deus e elas não são. As religiões são uma confraternização para que as pessoas, juntas, possam compreender Deus. Mas essa confraternização, apesar de parecer, ela não é unânime.

“o amor é um Deus que não cabe na religião”

Outra questão que podemos pensar é que no momento em que as religiões se moldam como uma unanimidade e com um discurso dito como o correto a ser seguido para quem quiser encontrar Deus e ser salvo, essa “unanimidade” vira quase que uma autocracia. Ou seja, um indivíduo ou um grupo que toma o poder para dominar as massas. Tal domínio se impõe na crença de uma unidade para os seus fiéis, impõe uma série de ritos, uma série de regras e um inimigo a se combater. Quais inimigos? Outras religiões, pessoas que pensam diferente, as religiões de matriz africana, por exemplo. São as figuras vestidas com a pecha de pecado, indicadas para usarem a máscara do Diabo, usadas pelas religiões para dar às pessoas um norte de combate.

Lembra do ditado que diz que a melhor forma de unir as pessoas é ter um inimigo em comum?

Infectadas pela ganância política, as religiões começaram a servir como um baú de sacralidade. Em um país tão religioso como é o Brasil, poucos são os que ousam ir contra esse baú e essa força permite que dentro dele se escondam coisas que passam longe do cerne do cristianismo, por exemplo: o amor ao próximo.

Se Cristo voltasse hoje, em pleno século XXI, ele reconheceria as religiões, será? Será que ele olharia para padres e pastores com discursos homofóbicos, transfóbicos, racistas, machistas, preconceituosos, discursos de ódio, e aplaudiria? A igreja que a Bíblia diz que ele pede para Pedro dar continuidade são as igrejas que temos hoje? A opulência da igreja católica e o enriquecimento de alguns seguimentos da igreja evangélica estão de acordo com os ensinamento de Cristo?

Como canta Elza Soares na música Credo, “o amor é um Deus que não cabe na religião”.

E tanto não cabe que Cristo, suponho, seria crucificado de novo. Dessa vez, porém, com milhares de celulares apontados para sua cruz e a hashtag #justiça postada nas redes sociais.

Uma grande questão das religiões como templo único da voz de Deus é moldar sociedades cujos indivíduos são incapazes de olharem para dentro de si para encontrarem conforto nos próprios corações. E ao não encontrarem conforto no próprio silêncio, as pessoas buscam pelas igrejas para receberem esse abraço. O problema são as consequências desses abraços quando os braços que os ofertam estão carregados de interesses e de vontade de dominar.

Por uma igreja menos dourada e de mais pés no chão. Esse é o sonho.

Uma igreja que ame.

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Henggo
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Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

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