Você está preparado para a reeleição de Jair Bolsonaro?
Há dois anos da eleição presidencial, as atitudes da sociedade durante a pandemia dizem muito sobre o Brasil de 2022
O ANO DE 2020 FOI DISTÓPICO. De repente, o mundo parou, economias fecharam, pessoas se trancaram, um inimigo invisível e resiliente se apoderou dos noticiários. Medo. Incerteza. Angústia. E, no meio disso tudo, assisti a parte das sociedades ignorarem a dor alheia e sair às ruas, questionando as máscaras, fazendo festas e, simbolicamente, escarnecendo dos esforços das equipes de saúde. Foi assim em muitos países, foi assim no Brasil. Contudo, aqui, regidos pelo “fator Bolsonaro", tudo pareceu ainda mais surreal.
Por mais que as pesquisas apontem que a sociedade rejeita muitos dos atos do presidente e da sua trupe de ministros e de anti-ministros, comecei a perceber como o negacionismo, intencional ou não, da sociedade brasileira nos diz muito sobre o porquê de Jair Bolsonaro ter sido eleito e o porquê de ele poder ficar no poder até 2026.
Claro, eu sei, é um exagero. Contudo, quando eu olho para as pessoas nas ruas, para as “festas da Covid”, para a politicagem das quarentenas em diversos estados, a guerra da vacina, para a bizarrice de autorizarem eleições mesmo com o risco de aglomerações, tudo isso me deixa angustiado. E o sentimento vem porque são atitudes que, conscientemente ou não, reiteram o discurso bolsonarista.
O presidente diz que é “gripezinha", as pessoas acham absurdo, fazem panelaços, mas estão aglomeradas nas ruas… Há algo de hipocrisia nisso, não há?
É como se fosse um negacionismo internalizado. Claro, não é o negacionismo patético da terra plana, por exemplo. Contudo, me parece ser um negacionismo “menor”, subconsciente, que na pandemia se revelou no descrédito em relação a praticamente tudo o que foi implorado pelos profissionais da saúde.
Festa após festa, aglomeração após aglomeração, parte do povo brasileiro contribuiu para fortalecer Jair Bolsonaro. No entanto, isso é só a ponta do iceberg.
As pautas de costumes
Esse “negacionismo internalizado” que mencionei parece ser fruto de uma mentalidade de ojeriza em relação aos fatos. É a mesma mentalidade que alimenta as pautas ideológicas, pois esse descrédito alimenta os preconceitos que impulsionaram essa “onda de conservadorismo” defendida por Jair Bolsonaro.
E não se engane: na política e nos conchavos, apesar de dizer o contrário, Bolsonaro é mais do mesmo. Agora, nas pautas de costumes, aí é que mergulhamos no problema.
Incapaz de se olhar no espelho e reconhecer-se como um país racista, machista, homofóbico e transfóbico (isso para ficar apenas nos maiores destaques), o Brasil se permite acreditar nos velhos discursos ideológicos sobre ,”proteger nossas criancinhas” e preservar a “família tradicional brasileira”; se permite dizer que uma mulher estuprada “talvez tenha merecido” e julgar que o movimento “Vidas Negras Importam" não faz sentido porque, afinal, todas as vidas importam. É a sociedade que fica calada quando a ministra Damares Alves anuncia que o Brasil entrou em um seleto grupo de países que condenam o aborto, grupo integrado por nações como a Uganda, país apontado como um dos que ainda praticam a mutilação genital feminina.
Se a sociedade não se importa com isso, se não se ergue contra esses absurdos, a mensagem que passa para a ala ideológica do governo é a de que os atos deles são apoiados pela sociedade.
E quer algo mais poderoso do que domar um país religioso por meio de um discurso de medo e de pecado?
As pautas de costumes mascaram os verdadeiros problemas do país e serão usadas, junto com outras artimanhas para dividir ainda mais o Brasil, a mesma cisão que explodiu nos protestos de 2013 e aumentou sem freio até contribuir para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
Em uma nação que passa longe de ser educadora, que não valoriza seus professores e rejeita as veracidades científicas; um país que não lê, não estimula a leitura e não democratiza o acesso aos livros, esse país acredita em qualquer discurso esdrúxulo sobre “menina veste rosa e menino veste azul”.
Um país sem educação e tão desigual como é o Brasil, é uma nação que esquece dos problemas em prol do dinheiro necessário do auxílio emergencial. O problema é que, sem uma base educacional que instigue o pensamento crítico, as pessoas não têm consciência de que esse dinheiro não é uma benesse presidencial, um favor, mas é sim um direito.
Por todos os lados, desde o topo até a raiz da pirâmide social, Bolsonaro constrói sua base de reeleição. E sem perceberem, as pessoas contribuem para isso.
Sinceramente, espero estar errado.