À Espera de um Milagre: um devaneio pós-leitura
O impacto de ler uma obra que te abraça enquanto de apunhala com sentimentos fortes e necessários.
EU E SINTO COM UM NÓ NA GARGANTA, SILENCIOSO, INERTE, CIENTE DE QUE ACABO DE LER ALGO CUJA PROFUNDIDADE EXTRAPOLA MUITOS SENTIMENTOS. Leio Stephen King desde sempre. Li “IT” com 10 anos (não recomendo) e desde então King é aquele autor para quem sempre volto meus olhos, uma bolha literária de conforto que me acompanha há 25 anos. Lembro-me de ter assistido ao filme À Espera de um Milagre na adolescência, porém, eu nunca havia me debruçado em suas páginas. Acho que certas obras só são absorvidas em sua plenitude com o passar do tempo, quando estamos mais maduros (ou já passamos por tanta merda que a trama se torna factível para nós).
Eu morri algumas vezes ao longo desse tempo e acho que por isso estou tão sentido, frágil, até choroso, com frio. Foi um gatilho, mas um gatilho de compaixão; certeza de completude diante do que nos espera no final do Corredor Verde. E, para quem se sentou na Velha Fagulha e teve a opção de se levantar no mesmo instante em que a energia foi acionada, ler sobre John Coffey foi… estranho.
Muitas vezes eu me flagrei com o livro no colo e o olhar perdido nas paredes brancas aqui de casa, imerso em memórias que mordem feito uma armadilha particularmente bem azeitada — e que não solta fácil.
A sensação, a certeza de que “eles ainda estão lá”, a dor, a consciência de que somos como Lemings em fila rumo ao mesmo destino, a angústia de uma sociedade que “mata usando o amor que uma tem pela outra”, a iminência da velhice, a loucura de ver ao meu redor pessoas cada vez mais esquecidas de que o tempo passa, a ausência do silêncio que me é tão caro. A luz.
“Por quê?” “Pra quê?” “Pra onde?” O trio de perguntas que nos acompanha desde o momento que começamos a morrer — assim que nascemos — e nunca são respondidas. Não serão. Esqueça. Empurre um carretel colorido e divirta-se. Não pense nessas coisas. Sério, você enlouquecerá.
Certa vez, anos atrás, um amigo da minha mãe me disse que eu iria enlouquecer se “mergulhasse demais em certos pensamentos abismais”. Mas não é o que somos, abismo? Memento mori, ensinavam às crianças séculos atrás. “Lembre-se de que você é mortal”. O termo remete ao estoicismo, crença que defende que a morte deve ser tratada como algo natural. Não temida, mas elaborada, refletida, absorvida para trazer conhecimentos e impulsionar transformações.
Em uma das cartas do filósofo romano Sêneca, um dos grandes pensadores estoicos, ele ajuíza que:
Repasse este pensamento todos os dias, para que você possa sair da vida contente; pois muitos homens se apegam e agarraram-se à vida, assim como aqueles que são levados por uma correnteza e se apegam e agarram-se a pedras afiadas. A maioria dos homens minguam e fluem em miséria entre o medo da morte e as dificuldades da vida; eles não estão dispostos a viver, e ainda não sabem como morrer. (Sêneca, Carta IV: Sobre os Terrores da Morte)
Bom, esqueceram. Esquecemos de tudo.
A ignorância é uma benção.