Quando não existia status do WhatsApp

Memórias de um tempo não tão distante — e que parece perdido para sempre

Henggo
4 min readNov 1, 2021
Descrição da imagem: vê-se a foto de um homem sentado em um banco. Está de boné, cabeça abaixada e de olho no celular em suas mãos, alheio ao mundo. Foto por Courtney Clayton no Unsplash

EU LEMBRO DE UMA ÉPOCA QUANDO NÃO EXISTIA O STATUS DO WHATSAPP — E NEM O PRÓPRIO WHATSAPP. De fato, uma época em que o conceito de “redes sociais” era algo inimaginável. Não, eu não sou tão velho, do “tempo das cartas e do telégrafo”, como alguns dos meus sobrinhos brincam. Do mesmo modo, não sou do tipo saudosista. Contudo, é inevitável não guardar lembranças de um tempo que está ali, há uma esticada do braço, mas que, diante do dinamismo das mudanças, parece mais distante do que é.

Nasci em 1988 e tive a oportunidade de viver boa parte da minha infância e da pré-adolescência em um ambiente analógico. Naquela época, que hoje parece fazer séculos, computadores eram usados apenas para trabalho, internet era um bichinho esquisito que só chegava até nós na teoria, celular, então, era uma raridade — e existiam apenas aqueles grandões, sabe? O famoso “tijolão”. Ainda bem, reconheço, tudo isso mudou para melhor e gosto dessa nova vida tecnológica que a maioria de nós desfrutamos hoje. Mesmo assim, sinto falta de quando a privacidade ainda era a normalidade.

Sabe a privacidade? Aquele negócio individual, de cunho íntimo? Esquisito, né? Era uma época em que as pessoas tinham de lidar com a realidade de serem apenas “pessoas comuns”, sem curtidas, sem a falsa sensação de serem relevantes; sem a ânsia por se tornarem influencers.

Distantes da possibilidade de “conversar com milhões de pessoas”, as pessoas conversavam com seus círculos íntimos, família, amigos, conhecidos do trabalhos, da igreja, etc e, arrisco-me a refletir, pouquíssimas tinham esse intuito de influenciar os outros.

É, muita coisa mudou…

Como contei neste artigo onde abordei meu processo de exclusão das minhas redes sociais, eu sempre tive ressalvas quanto ao nível de exposição de intimidades. O fato de as pessoas irem a qualquer lugar e ficarem com o celular a postos para publicarem onde estão ou o que estão fazendo me incomoda muito. Uma das situações mais estranhas que passo é assistir a algum filme ou série em casa. Pois é, a coisa mais banal do planeta se torna esquisita porque lá estou eu, olhos atentos às emoções na tela, e olho ao redor e todos estão com os dedos nervosos publicando nos Status do WhatsApp o que estamos assistindo. E nessa, não é raro que eu assista ao filme sozinho e todos os outros nem percebam seu término.

Tenho consciência de que o incômodo que eu sinto em relação aos outros tem a ver comigo e não com eles. As atitudes das pessoas me incomodam porque eu queria que elas fossem menos conectadas. E nessa, eu me torno o estranho.

Eu sou o cara que não olha Status do WhattsApp e nem publica nele. Se vou para algum lugar, eu vou sem alarde. Se faço algo, eu faço por mim. Por que as pessoas precisam saber onde eu estou? Por que eu preciso publicar cada pequeno passo que dou? Por que parar um agradável encontro com os amigos para tirar uma foto que será publicada em seguida? Será que apenas o encontro, a presença, o reencontro, já não é o suficiente? E mais: com a quantidade de fotos que as pessoas costumam tirar hoje em dia, é grande a chance de esse registro se perder no limbo das memórias do celular, não é? A consequência é que, por eu ter essas atitudes, vez ou outra eu entro em rota de colisão com as pessoas.

Após dois anos longe, eu voltei para o Instagram e para o Twitter em maio de 2021. Sim, fiz contas novas após meu rompante de excluir as contas que mantive por mais de dez anos. Mas o fato aqui não o meu retorno para as redes. O fato é que, quatro meses depois desse retorno, em setembro de 2021, eu parei de publicar meus trabalhos artísticos nas redes sociais, principalmente no Instagram. Cansei. Enjoei de novo. E o principal: me senti ainda mais distante desse universo de desespero por visibilidade.

Eu me sinto ainda mais distante disso tudo.

Meu Instagram, por exemplo, está lá, parado, sem atualizações. Dessa vez, não o excluí. Talvez, reflito, eu tenha decido manter assim por autoflagelação, entende? Deixar o erro à mostra tanto para mim como para todos para quem eu disse que não voltaria nunca mais para as redes sociais. Talvez, eu tenha deixado ele assim porque esteja à espera de uma mudança, imerso na esperança de que os usuários parem com o desespero por likes.

É, eu sou meio besta. Eu sei. Isso não vai acontecer.

A sociedade parece agora tão dependente desse sistema distópico de sociabilidade que não vejo, ao menos nas próximas décadas, um mundo menos conectado nesse sentido social. Apesar da minha geração de Millenials estar em um movimento de cansaço em relação aos parâmetros sociais que nos foram dados — e isso inclui a vida digital, obviamente — é uma mudança muito, muito lenta. Pelo contrário, cada vez mais percebo que muitas pessoas desejam ter algum grau de influência digital, mesmo que seja apenas para um punhado de pessoas nos Status do WhatsApp.

São influencers de bolhas dentro de bolhas dentro de bolhas…

É a manutenção de uma falsa sensação de relevância social. E muitas pessoas nem percebem que estão imersas nesse ciclo; que já estão condicionadas à crença de que precisam tornar público cada gesto que fazem. E tudo isso apesar de dezenas de estudos recentes que indicam como as redes sociais têm prejudicado a sanidade das pessoas.

Pergunto-me: será se as pessoas que viram a ex-gerente de produtos do Facebook fazer várias denúncias nesse sentido se reconheceram naquelas falas? Reconheceram que estão mergulhadas nisso? Reconheceram-se como peças do quebra-cabeça dessa insanidade que criamos, aceitamos e alimentamos?

Acho difícil.

Sim, eu lembro de uma época quando não existia o status do whatsapp. E ninguém sentia falta dele...

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Written by Henggo

Escritor, Revisor & Ghostwriter. Coleciona trilhas sonoras e nome estranhos de pessoas enquanto espera a chegada dos ETs. Saiba mais em linktr.ee/Henggo

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